A menos de 1000 dias para acabar o prazo previsto para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, definidos em 2000 e aprovados por mais de 190 países, o IMVF desafiou diversas personalidades a responderem a três perguntas sobre o tema.
1) Que balanço faz dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio?
2) Na sua opinião, o que seria essencial incluir na nova agenda para o desenvolvimento global pós-2015? Se pudesse indicar um novo objetivo de desenvolvimento, qual seria?
3) Numa época de crise, qual acha que pode ser o contributo de Portugal e da Europa para este desenvolvimento global?
Até dia 25 de setembro, data da reunião da ONU em que estará em discussão a definição de uma agenda pós-2015 para o Desenvolvimento Global, serão disponibilizadas as respostas.
EMBAIXADOR ANTÓNIO MONTEIRO – Chairman do BCP, ex-Embaixador de Portugal na ONU e em Paris
1) Faço um balanço positivo dado muito ter sido alcançado, designadamente em matéria de saúde e, mais limitadamente, na sustentabilidade ambiental. Em contrapartida, preocupam-me os atrasos registados quanto à erradicação da pobreza extrema e da fome, bem como do ensino primário universal, em especial na África Subsariana.
2) Ainda não foi alcançado o objetivo de criar uma parceria global para o desenvolvimento. É essencial e por isso, além de se procurar a sua concretização, acrescentaria um outro que poderia dar um contributo positivo neste contexto: o reequilíbrio da composição das instituições financeiras internacionais que regulam a economia global.
3) Com poucos recursos financeiros disponíveis, a Europa, e em particular Portugal, devem concentrar esforços no apoio técnico especializado, emprestando o seu know-how às instituições locais públicas e privadas, às ONG e às comunidades, possibilitando-lhes um desenvolvimento autónomo e mais sustentado.
MÓNICA FERRO – Deputada à Assembleia da República, docente universitária
1) Os ODM foram a mais mobilizadora de todas as narrativas pró-desenvolvimento de que há memória. Descodificaram o que ser desenvolvido significava, deram-lhe dimensões concretas, estabeleceram quadros temporais e monitorizaram resultados. Claro está que, desde a sua conceção até à sua implementação, há falhas e ausências fortes: a dimensão fundamental de combate à desigualdade perdeu-se na tradução, os jovens ficaram negligenciados nessa agenda global, as alterações climáticas não foram enquadradas, algumas conquistas foram apenas quantitativas e não qualitativas e a saúde sexual e reprodutiva apenas chegou ao elenco principal em 2007. A parceria global para o desenvolvimento avançou em algumas áreas, mas o nível de cumprimento das promessas efetuadas ficou muito aquém daquilo que era percebido como o mínimo necessário. Mas são uma abordagem pragmática e paradigmática que deve ser sustentada, revisitada e reescrita.
2) Na nova agenda seria fundamental acrescentar o combate às desigualdades, a garantia de sustentabilidade das produções e dos consumos, reconhecer as necessidades e potencialidades dos jovens, a igualdade de género, o acesso universal à saúde. Ou seja é necessário que o novo modelo seja um modelo assente em duas premissas: realização dos direitos humanos e a sustentabilidade dos mesmos.
Acrescentaria um novo ODM de Igualdade de Género. Embora os ODM já tenham esta dimensão horizontalizada e o ODM 3 esteja focado nesta área, falta um Objetivo em que a Igualdade seja vista de uma forma alargada e tratada estruturalmente. Ou seja, com metas relativas à escolarização e à participação das mulheres no mercado de trabalho; mas também à eliminação das violências contra as raparigas e as mulheres, as verdadeiras causas estruturais da desigualdade e discriminação, desde o fim dos casamentos precoces e forçados, passando pelo fim da mutilação genital feminina, dos crimes de honra, da violência doméstica, da violência sexual como arma de guerra, entre outras; metas de universalização do acesso a cuidados, serviços e bens de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planeamento familiar; metas de participação pública, na tomada de decisão política e económica; de eliminação de discriminações, com revisão da legislação e de práticas públicas, onde ainda fosse necessário; de garantia de segurança. Teria que ser um objetivo universal traduzido nacionalmente.
3) A Europa enquanto espaço político tem a obrigação de ser proactiva, assertiva e ousada nas metas e nas abordagens que define e defende. Falo de responsabilidade e não de direitos pois quem já usufruiu de um nível de vida digno tem a obrigação de ser solidário com quem ainda não o atingiu. Essa solidariedade, justiça, à escala global chama-se cooperação para o desenvolvimento. A Europa tem que ser não apenas o maior doador de APD mas também a voz mais ativa e mais progressista nestas matérias. O mundo não espera menos de nós.
Portugal é Europa. Participamos nos debates, temos sustentado as visões assentes em direitos humanos, defendido uma abordagem de sustentabilidade dos mesmos, uma agenda de população e desenvolvimento e sido muito proactivos em áreas como a igualdade, o fim das violências contras as raparigas e mulheres, e no acesso à saúde (incluindo e destacando a saúde sexual e reprodutiva).
O nosso papel num momento de crise não é do grande doador, mas sim o de mobilizador, de produtor de conhecimento e de disseminador de boas práticas. Há um lugar na cooperação para o desenvolvimento que conquistamos e teremos que saber redefinir à luz de novas orientações estratégicas, mas sem nunca por em causa os ganhos e as aprendizagens.
VICTOR ÂNGELO – Vogal do Conselho de Administração da Fundação PeaceNexus, Suíça, e antigo Secretário-Geral Adjunto e Representante Especial das Nações Unidas
1) Apesar dos atrasos e dos recursos insuficientes, o balanço é positivo. E há razões para manter vivo um certo optimismo e continuar a insistir. Os ODM passaram a ser o quadro de referência obrigatório para quem discorre ou intervém na área do desenvolvimento. Pela primeira vez, os mais diversos actores internacionais – governos, instituições multilaterais, organizações não-governamentais, investigadores, media e outros – passaram a ter um prisma comum, credível e capaz de concentrar as atenções. Isto permitiu uma melhor conjugação de esforços, uma advocacia mais focalizada bem como manter a ajuda ao desenvolvimento na lista das preocupações internacionais, numa altura em que a cooperação internacional para o desenvolvimento estava em risco de se transformar numa preocupação marginal e de perder fundos e meios. Os ODM vieram provar que vale a pena adoptar um “realismo ambicioso”. Demonstraram, igualmente, que existe um entendimento que a pobreza e as questões complementares que lhe estão associadas são problemas globais que exigem o empenho de todas as nações.
2) Antes de se falar de novos objectivos, haverá sempre que lembrar os que foram definidos em 2000, tendo a meta de 2015 em mente, e que ainda estarão por atingir, quando entrarmos nesse ano. A segurança alimentar e o acesso à água potável continuarão a ser uma necessidade premente para muitos, em África e noutras partes do globo. Convém sublinhar isso com um traço muito forte, porque nos estamos a referir a prioridades absolutas. Os direitos cívicos, a participação política em democracia, o reforço do poder dos cidadãos em relação ao Estado, formam um conjunto de questões que deverão, na próxima geração dos objectivos, merecer uma atenção mais apurada. Sem cidadania activa e livre não há desenvolvimento sustentável e equitável.
3) A Europa e, por conseguinte, Portugal, tem de abrir os seus mercados aos produtos dos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo que deverá manter um nível de financiamento da cooperação que se aproxime dos 0,7% do PIB. Deverá ainda saber combinar a cooperação institucional com o apoio ao investimento privado, nomeadamente na área das energias e na transformação radical da agricultura dos países em desenvolvimento, respeitando, no entanto, os princípios da boa gestão dos solos, da utilização racional da água e dos outros recursos naturais e respeitando o meio ambiente e a biodiversidade. A Europa deve ainda estabelecer parcerias de apoio ao desenvolvimento que permitam uma maior integração da sua ajuda com os esforços e as prioridades dos países em desenvolvimento. Finalmente, a avaliação independente dos programas de desenvolvimento deve fazer parte do cerne da cultura de cooperação.
DIOGO GOMES DE ARAÚJO – Presidente Executivo da SOFID, Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento
1) Os ODM são metas quantificáveis e comparáveis que, na minha opinião, cumpriram bem o seu propósito. Na última década registaram-se em termos globais progressos significativos em áreas como o combate à pobreza, a melhoria das condições de saúde e o acesso à educação. É importante reconhecer estas melhorias para nos motivarmos a continuar a melhorar. O estabelecimento de objetivos serve justamente esse propósito: saber em que direção é que devemos seguir, definindo novas metas, mais ambiciosas, à medida que formos alcançando os primeiros patamares. Relativamente aos objetivos que não foram plenamente alcançados, deverão ser retomados no ponto em que nos encontramos. É fundamental continuar a trabalhar para erradicar a pobreza e a fome, para promover o ensino universal, para defender os direitos de raparigas e mulheres, para minimizar a mortalidade infantil e melhorar a saúde maternal, para promover a sustentabilidade e uma nova e equitativa parceria global.
2) Um tema que merece mais destaque nesta reflexão é o crescimento económico inclusivo e do investimento em prol do desenvolvimento. Em 2012 o investimento direto estrangeiro foi pela primeira vez inferior economias desenvolvidas do que em economias em desenvolvimento. No entanto, nestes países, as desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres continua a acentuar-se. É fundamental que o investimento direto estrangeiro seja realizado de forma transparente, ética, responsável e sustentável, em que todas as partes envolvidas beneficiem de forma justa, com impactes positivos reais para os segmentos populacionais mais vulneráveis, nomeadamente através da criação de emprego e de acesso a bens públicos essenciais. A minha proposta é que seja incluído um novo objetivo relacionado com o ambiente de negócios devidamente ajustado pelo coeficiente de Gini. A publicação anual de rankings de países para cada objetivo seria igualmente algo extremamente importante, uma vez que exporia as diferenças entre estados, motivando os governantes de cada país a avançar com reformas necessárias.
3) À Europa cabe liderar o processo de promoção de desenvolvimento global, promovendo a solidariedade, a igualdade e a justiça entre povos. Deverá promover o processo de reequilíbrio de forças nas organizações internacionais, contribuindo para uma verdadeira parceria global, dando mais voz àqueles que por ela anseiam. E com mais voz, vem necessariamente mais envolvimento e responsabilidade. Este processo de aproximação é fundamental para minimizar conflitos e promover a segurança e a paz. Deverá haver igualmente uma articulação entre as políticas ambientais, comerciais, de investimento e de cooperação da União Europeia, promovendo o comércio justo e ambientes de negócios propícios ao crescimento sustentável e equitativo. A Portugal caberá defender as melhores práticas no contexto europeu, prosseguindo com os bons exemplos de colaboração com países nossos parceiros, promovendo a capacitação e a solidariedade, assim como o investimento, a transferência de competências e a criação de emprego.
GUILHERME DE OLIVEIRA MARTINS – Presidente do Centro Nacional de Cultura; MARIA CALADO – Vice-Presidente do Centro Nacional de Cultura
1) O Balanço dos ODM é altamente positivo, pois trata-se de uma das iniciativas de grande alcance das Nações Unidas no século XXI. No âmbito das linhas de ação para o desenvolvimento, destacamos a promoção da educação e da saúde, da sustentabilidade ambiental e da igualdade de oportunidades, assim como as medidas tendentes para a irradicação da pobreza e melhoria de condições de vida das comunidades. Mas é, sobretudo, a visão de um trabalho em parceria e com responsabilidades assumidas pelos mais diversos intervenientes em múltiplos contextos e processos de ação que se revela importante a nível de envolvimento concreto e mobilização ativa para atingir objetivos comuns. A quantificação das metas permite avaliar situações e resultados e estabelecer prioridades para comunidades específicas em zonas de maior carência e vulnerabilidade. Em síntese, o estabelecimento das metas, o acordo formal que sobre elas se obteve num conjunto alargado de países e o lançamento de ações concretas, com objetivos globais, metas e estratégias, merece-nos já uma avaliação positiva, corroborada pelos efeitos de alguns projetos exemplares e consequentes.
2) É muito importante que a agenda se mantenha e reforce depois de 2015, prosseguindo os objetivos estabelecidos, sobretudo os que ainda não foram plenamente atingidos, como a educação, a igualdade de género, as várias metas para eliminar epidemias, bem como o tratamento e prevenção para garantir a suade, nomeadamente a nível materno-infantil. Tão importante como as atuais metas ou outras relacionadas que venham a ser introduzidas, é, de facto, essencial garantir o real estabelecimento de uma parceria global para o desenvolvimento, ampliando as adesões formais de países e ONG, um dos objetivos que não conseguiu atingir na sua plenitude as metas previstas.
3) Apesar da escassez de meios, a Europa em geral e Portugal em particular têm uma responsabilidade de participação, agregando parcerias, articulando os programas públicos com as iniciativas das organizações não-governamentais, concentrando esforços e disponibilizando competências técnicas em áreas para as quais o país se encontra particularmente vocacionado.
Créditos imagens: UN Photo/Paulo Filgueiras | UN Photo/Rick Bajornas