Quando, no início de maio de 2012, o IMVF aceitou o convite da organização italiana Gruppo di Voluntariato Civile (GVC) para participar numa iniciativa “Youth in Action” contra o tráfico de seres humanos, não poderíamos adivinhar a experiência que iriamos proporcionar a um grupo de jovens portugueses. O resultado foi uma semana num lugarejo a 50 minutos de Bolonha, num “camp” que juntou 20 jovens entre os 18 e os 25 anos – de quatro nacionalidades diferentes – para, informalmente, aprenderem mais sobre o tráfico de seres humanos.
Uma semana bem passada e um maior conhecimento do tema foram as conclusões gerais dos participantes, incluindo da comitiva portuguesa que esteve representada por cinco jovens.
O “Youth in Action” é um programa da União Europeia (EU) que visa inspirar a cidadania ativa, a solidariedade e a tolerância entre os jovens europeus, envolvendo-os na construção do futuro da própria UE.
O dia a dia no “acampamento”
segunda-feira, 28 de maio
28 de maio era a data de partida e pelas 6h50 já os participantes portugueses se encontravam no Aeroporto de Lisboa de mochila às costas e sorriso nos lábios, prontos para a jornada.
Chegados a Bolonha, seguimos do Aeroporto para a estação de comboios onde haveríamos de nos encontrar com os participantes dos restantes países para as apresentações e integração no espirito do “camp“. Daí seguimos depois para Ville Torre – a aldeia que acolheu o evento, situada em pleno Parque Natural de Gessi Bolognesi e Calanchi della Abbadessa.
Duas horas e dois autocarros depois alcançávamos o parque natural. Uma caminhada de 5 km era o que ainda nos esperava para atingirmos a herdade, mas devido ao calor – e ao facto de estarmos a pé desde as 6 horas da manhã – a organização disponibilizou carros para a deslocação até ao recinto. O jantar estava previsto para as 20 horas, até lá portugueses, italianos, búlgaros e romenos ocuparam os jardins da herdade, conversando e travando conhecimentos entre si.
Umas bruschettas e uma deliciosa tagliatelle à bolonhesa foram o nosso jantar que terminou com um semi-frio de morango – tudo convencionado com produtos biológicos, de comércio justo ou produzidos por agricultores locais. Após o jantar, falou-se sobre o programa e as expectativas para a semana intensa que se avizinhava e pelas 23 horas já a maioria dos participantes se dirigia para os quartos. A jornada que começara pelas 6 horas da manhã pedia horas de sono para um dia seguinte vigoroso e ativo.
Os cinco jovens portugueses que estiveram em Bolonha.
terça-feira, 29 de maio
O dia começou com um tremor de terra pouco antes das 9 horas da manhã. 5,8 na escala de ritcher, com o epicentro a 100 km de Ville Torre. Os poucos que por esta hora ainda continuavam a dormir depressa se levantaram com o abalo sentido na casa. Depois das mensagens e telefonemas para a família e amigos a avisar que estávamos todos bem lá seguimos para o campo onde decorreriam as atividades do dia. Após uma revigorante atividade em equipa começámos por ouvir Silvia da Casa delle Donne que falou sobre tráfico de seres humanos e a sua experiencia em resgatar e recuperar mulheres, emigrantes ilegais, traficadas até Itália para escravatura sexual.
“Sisters“ – um filme Sérvio de 2011 produzido por Vladimir Paskaljevic foi a escolha para visionar e debater durante a tarde. O filme conta a história de duas irmãs, romenas, que saíram do seu país em busca de um futuro melhor, acabando presas na malha da prostituição e do tráfico de mulheres.
A tarde haveria de terminar a caminho de Bolonha onde todo o grupo participou num jantar de angariação de fundos do Gruppo de Voluntariato Civile para facilitar o acesso à água, à agricultura e à saúde na Palestina.
quarta-feira, dia 30 de maio
Ainda não eram 10 horas e já todos os participantes formavam um círculo para saberem qual seria a primeira atividade da manhã. Em grupos de cinco elementos deveriam analisar um texto sobre uma experiência de tráfico humano – escrito na primeira pessoa – e desenhar depois no mapa o percurso desde o país de origem da vítima até à sua chegada à Europa.
No texto, Dag, um rapaz da Eritreia, contava como teve de fugir do seu país em busca de um futuro melhor após rebentar a guerra entre a Eritreia e a Etiópia e como demorou um ano e meio a conseguir chegar a Lampedusa, Itália, sendo entretanto cinco vezes repatriado e traficado pela polícia da Líbia. Seguiu-se ainda um documentário – retratando a forma como os africanos são tratados até conseguirem alcançar a Europa e obter um visto.
A parte da tarde teve início com um teatro improvisado seguindo-se o visionamento de várias campanhas de advocacia, entre elas da Amnistia Internacional, uma das mais ativas vozes pelo fim do tráfico humano.
O final da tarde foi destinado a preparar a noite intercultural. A Portugal coube teatralizar a Bulgária e aos Italianos, Portugal. Depois do jantar seguiu-se então a apresentação dos teatros, que muitas gargalhadas arrecadaram, e uma noite de musica brasileira e italiana cantada e tocada pelo cozinheiro, Marcelo, um brasileiro a viver em Itália há cerca de três anos.
quinta-feira, 31 de maio
A manhã começou com um rápido pequeno-almoço e uma peça de teatro onde se encenaram várias situações de tráfico de seres humanos: em grupos de sete tivemos de ensaiar uma peça de teatro onde constasse um agressor, uma vítima, um cúmplice do agressor, um cúmplice da vítima e ainda três personagens neutras. O resultado final desejável seria a ação positiva por parte das personagens neutras de modo a tirar a vítima da rede de tráfico de seres humanos.
A tarde prosseguiu com atividades de escrita criativa e stencil art – uma expressão de arte urbana que se caracteriza pelo desenho em formas geométricas e aberturas. O grupo que escolheu este workshop teve como objetivo criar uma imagem sobre tráfico de seres humanos para replicar em t-shirts, enquanto que o grupo de escrita criativa teria de criar um blog sobre a temática.
Ao final da tarde os participantes voltaram a reunir desta vez para uma visita a Dulcamara, uma quinta orgânica cujo objetivo é a vivência de acordo com o que a terra dá, adotando comportamentos que respeitem a terra e os animais. A visita terminaria com um jantar de lasanha vegetariana oferecido pelos proprietários da quinta!
Uma das atividades da semana e, à direita, parte do grupo reunido.
sexta-feira, 1 de junho
Sexta-feira foi dia livre. Dia para os participantes rumarem a Bolonha e descobrirem esta maravilhosa cidade universitária – animada e cosmopolita – com cerca de 390 000 habitantes. É a sétima maior cidade italiana e a que mais arcadas tem em todo o mundo. Diz-se inclusive (não comprovámos!) que se consegue percorrer toda a cidade num dia de tempestade sem necessirar de recorrer ao guarda-chuva.
O passeio começou com uma paragem na Torre dos Asinelli e por uma visita ao bairro Judeu, continuando com um almoço na Osteria del Sole, uma tasquinha onde qualquer um pode levar o seu próprio almoço, só precisando de comprar uma bebida.
Depois do almoço, e já acompanhados de um gelado italiano, partimos à descoberta da Praça de Neptuno e da Basílica de São Petrónio, a sexta maior igreja do mundo. No final do dia, já cansados, apanhámos o autocarro de regresso à herdade e, após um banho e um delicioso jantar, foi tempo de descansar.
sábado e domingo, 2 e 3 de junho
O dia de sábado foi totalmente dedicado aos workshops. O grupo de stencil tinha em mãos 20 camisolas para pintar e o grupo de escrita criativa, um blog para concluir. Os trabalhos foram depois apresentados aos colegas no domingo: o primeiro grupo fez um resumo do que é Stencil Art, como se faz, e como chegaram à imagem impressa nas camisolas. Já o segundo grupo apresentou o blog criado e explicou as secções e tipos de textos escolhidos para o alimentar.
A tarde foi destinada a avaliação: uma semana bem passada e um maior conhecimento do tema foram as conclusões gerais. A fechar o “camp“, e não esquecendo que estávamos em Itália, ainda houve tempo para um laboratório de pizza onde os participantes aprenderam as diferenças entre as pizzas do norte – mais finas – e as do sul de Itália, de massa mais alta!
A noite foi de despedida: muitos abraços, fotografias e contactos trocados marcaram o serão.
segunda, 4 de junho
Às 7 horas da manhã já a comitiva portuguesa tinha as mochilas à porta da casa, pronta para a longa jornada de dois autocarro, um aerobus e, por fim, um avião, que os levaria de volta a casa. Quando, pelas 16 horas, aterrámos em Lisboa, já muita era a vontade de transmitir aos amigos, colegas e familiares todas as aprendizagens feitas durante a semana. Uma experiência a repetir, garantiram todos os participantes.
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