A Conferência Internacional “A Parceria África-Europa em Construção: que Futuro?” debateu alguns dos dossiês que deverão estar em discussão no contexto da realização da próxima Cimeira África-UE em 2014 e da Agenda do Desenvolvimento pós-2015 onde, entre outras questões, os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio serão reapreciados.

Organizada pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), o Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI) e o Centro de Estudos Africanos do ISCTE-IUL, em parceria com o European Centre for Development Policy Management (ECDPM), esta conferência decorreu nos dias 13 e 14 de dezembro, na sala 2 da Fundação Calouste Gulbenkian.

Os temas abordados por mais de vinte oradores europeus e africanos focaram o impacto na parceria da crise internacional, das tendências demográficas, dos problemas de segurança no norte de África e no Sahel, do surgimento de novos parceiros e do financiamento do desenvolvimento. Os aspetos mais salientados e discutidos nos diversos painéis foram os seguintes:

Crise: África e Europa vivem momentos diversos, com a primeira a experimentar fortes taxas de crescimento nos últimos dez anos e a segunda mergulhada numa dinâmica de estagnação e crise política e institucional do modelo de integração. Estas realidades contrárias têm vindo a colocar em causa os paradigmas de ajuda, com condicionalidades políticas a serem secundarizadas em favor de interesses económicos mútuos. A entrada de novos parceiros emergentes, designadamente da China acelerou estas dinâmicas, cujos efeitos deverão produzir uma alteração progressiva nas agendas fazendo deslocar o eixo da parceria das questões da ajuda para as dos negócios e desenvolvimento.

Demografia: os desafios demográficos dos parceiros apresentam prioridades diferenciadas. No caso europeu, a realidade é de envelhecimento da população, com uma crise de sustentabilidade dos modelos de segurança social, agravada pelas políticas anti-imigração vigentes. Confrontados com os problemas políticos e económicos do curto prazo, com taxas de crescimento decrescentes e o aumento do desemprego, os países europeus têm evitado enfrentar as políticas necessárias, de natalidade e de migração, para contrapor o impacto do envelhecimento populacional. No caso africano, as taxas de crescimento demográfico têm-se mantido acima do limite de renovação geracional (2,1% ao ano), originando problemas nos ritmos de urbanização e superiores aos da oferta de emprego, principalmente aos jovens, levando à multiplicação de fenómenos sociais de marginalização e pressão social, sendo, por isso, contrariamente ao caso europeu, prioritário o controle e planificação do crescimento populacional. Neste contexto, o investimento nos sistemas de saúde e o empoderamento das mulheres assumem um papel fundamental, querem termos de políticas de planeamento familiar quer na saúde sexual e reprodutiva em geral, que se reflete também em indicadores como a mortalidade materna e infantil. Foi ainda salientada a falta de relevância das questões demográficas nas políticas governamentais, apesar da sua importância no médio e longo prazo, bem como a falta de conhecimentos e capacidade para implementar programas abrangentes e inovadores, nomeadamente no campo da juventude e emprego.

Sobre este tema, consulte:

– O resumo das intervenções

 – A Apresentação de Ana Pires de Carvalho, demógrafa

– A Apresentação de Gregory de Paepe, Centro de Desenvolvimento da OCDE

Segurança: as questões de segurança em vastas regiões do Sahel e limítrofes foram priorizadas nas discussões do painel, tendo sido salientada a necessidade de investir mais no conhecimento dos fenómenos em curso evitando os sound-bites dos órgãos de informação e das forças políticas interessadas em fazer vingar a sua versão da realidade. Neste contexto foi salientada a necessidade de centrar as eventuais decisões de intervenção militar nos organismos regionais africanos, evitando a intervenção unilateral de forças internacionais e europeias. O caso líbio foi lembrado, designadamente para salientar a oposição da União Africana à intervenção da NATO naquele país que foi desconsiderada; foi igualmente lembrada a fragilidade demonstrada pelo regime maliano, em oposição ao nigerino, para lidar com as consequências do desaparecimento do regime líbio, apesar do Mali ser até recentemente apontado como exemplo de estabilidade e democracia em África. Foi ainda referida a existência de “double standards” na actuação da União Europeia face a estes países, o que prejudica a assunção deste bloco como actor político efectivo no plano global.

Sobre este tema, consulte:

– A apresentação de Morten Boas, sobre a crise no norte do Mali

– A apresentação de Alexandra Dias sobre o radicalismo armado no Norte de África

Financiamento: o impacto em África do crescimento da procura internacional de matérias-primas desde o início da década anterior, o aparecimento de “novos” parceiros, particularmente da China (mas não só) e o regresso do investimento privado foram salientados no painel. O crescimento nas ofertas de financiamento sem condicionalidades políticas para obras de infraestrutura abriu uma janela de oportunidade à generalidade dos países africanos e melhorou o ambiente de negócio atraindo novamente o investimento privado internacional e nacional. Refletiu-se, assim, numa maior capacidade negocial destes países, que agora têm um espaço de manobra mais alargado para implementação das suas próprias estratégias de desenvolvimento. Foi também referido que, contrariamente ao caso europeu, onde uma significativa parte dos países membros da UE apresentam dificuldades nos respetivos indicadores macroeconómicos, particularmente no peso da dívida e dos défices orçamentais nos PIB, a generalidade dos países africanos, fruto do ajustamento estrutural e dos perdões de dívida anteriormente realizados, apresentam melhores indicadores. No entanto, sabemos hoje que não havendo redução da pobreza sem crescimento económico, pode existir grande crescimento económico sem redução da pobreza e até com acentuação das desigualdades internas, pelo que o desafio está exactamente em construir um crescimento inclusivo e sustentável. Paralelamente a estas considerações, foram abordadas as principais questões relativas à reavaliação dos critérios do que efetivamente constitui a Ajuda Pública ao Desenvolvimento, como esta se interliga com outros fluxos externos e com outras políticas (numa lógica de coerência), levantando-se a questão geral de como avaliar o esforço global de cada país para o desenvolvimento.

Sobre este tema, consulte:

– O resumo das intervenções dos oradores

– A apresentação de Diogo Gomes Araújo, Presidente Executivo da SOFID 

Futuro da parceria: foi transversal aos debates a ideia de que as relações ainda são marcadas por um pendor assistencialista e por pré-conceitos históricos que afectam a confiança mútua entre as partes, para além de faltar à parceria “tração política”, ou seja, de ainda ser necessário percorrer um longo caminho para que exista uma verdadeira parceria política ao nível continental entre as duas partes. Foi salientada a necessidade de relançar a parceria em novos moldes, passando progressivamente o discurso e a prática do domínio quase exclusivo da ajuda para o domínio do diálogo político efetivo e da criação de ambientes que favoreçam o investimento e as relações comerciais, com responsabilização de ambas as partes. É, portanto, altura para os dois continentes repensarem os seus interesses no quadro deste relacionamento, as suas mais-valias como parceiros e as imagens/percepções mútuas que ainda marcam essas relações, investindo num diálogo mais franco e aberto sobre os seus interesses reais.

Sobre este tema, consulte:

– O paper do Embaixador J.K. Shinkaiye, antigo chefe de Gabinete do Presidente da Comissão da União Africana, sobre o futuro da parceria UE-África

– O paper de Thomas Lawo, sobre a agenda de desenvolvimento pós-2015

Os resumos e conclusões dos debates estão disponíveis aqui.

Consulte aqui alguns documentos distribuídos na conferência:

– Programa (Folheto)

– Enquadramento dos Debates (Português)

– Enquadramento dos Debates (Inglês)

– Bios dos oradores

 Lista dos participantes

Com o apoio do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, Fundação Portugal África e Fundação Calouste Gulbenkian.

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