O vasto espólio documental e fotográfico do Instituto Marquês de Valle Flôr foi uma das fontes privilegiadas para os arquitetos e investigadores Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, autores do livro “As Roças de São Tomé e Príncipe”, que acaba de ser lançado pela editora Tinta da China.
Assumindo-se como um trabalho de inventariação das roças ainda existentes no arquipélago, o livro percorre três momentos fundamentais: o passado, através da compreensão dos contextos, dos enquadramentos e das influências das roças; o presente, através do registo fotográfico do património existente da autoria de Francisco Nogueira; e o futuro, através da valorização e classificação do património arquitetónico. Para os autores importa sobretudo “despertar consciências” no que toca ao reconhecimento, preservação e valorização deste património histórico.
Como é que surgiu a ideia de fazer este livro?
A ideia de fazer este livro surgiu em 2011, após a criação da exposição de arquitetura “Inventar(iar) as Roças de São Tomé e Príncipe”, patente na 6ª edição da Bienal de Arte e Cultura local e posteriormente em Lisboa e Seixal. A aceitação e interesse de um público muito vasto de várias áreas interpelou-nos e fomos assim levados a desenvolver uma obra editada, que reproduzisse parte desta investigação de uma forma inédita.
Como decorreu o processo de recolha de informação para o livro?
Tendo em conta que o livro representa o trabalho de investigação iniciado em 2008, o processo de recolha de informação foi sendo feito ao longo desse período. Nesta fase temos consultado todo o tipo de informação disponível. Bibliografia específica de São Tomé e Príncipe, nas mais diversas áreas; cartografia dos vários arquivos históricos existentes; acervos particulares de fotografias antigas das roças, onde se inclui o enorme espólio do Instituto Marquês de Valle Flôr.
Ao longo dos anos fomos cruzando alguma informação recolhida e criando a nossa própria informação. Desde levantamentos arquitetónico das roças, mapas e diagramas específicos com a questão do território e da arquitetura. No entanto, os conteúdos fotográficos presentes na obra são do ano de 2013, o que nos levou a realizar uma extensa reportagem fotográfica com o fotógrafo de arquitetura Francisco Nogueira. Foi também uma oportunidade de recolher excelentes fotografias, de uma forma mais profissional e dedicada à arquitetura.
Porquê o estudo das roças especificamente no arquipélago de São Tomé e Príncipe?
Na verdade, todo este trabalho iniciou-se de uma forma espontânea. Após uma primeira visita às ilhas em 2005 e 2007, para colaborar num projeto de cooperação nas roças, sentimo-nos muito sensibilizados para a questão da arquitetura e ordenamento do território. Ao voltar, quisemos saber mais sobre o tema específico da arquitetura. Despertados pela curiosidade apercebemo-nos de que pouca coisa tinha sido escrita e que muita coisa estava por investigar. Essa curiosidade foi-nos levando passo a passo a materializar este trabalho em diferentes momentos: exposição; artigos e publicações, e agora na edição deste livro.
Foram surpreendidos com alguma descoberta que tenham feito aquando das vossas visitas às roças?
Na nossa primeira visita ao arquipélago, o que mais nos surpreendeu foi a diversidade, dimensão e quantidade de estruturas agrárias, com valores arquitetónicos assinaláveis e que estão amarradas à cultura e memória deste país. Naturalmente que fomos também surpreendidos com algumas das suas idiossincrasias, como a pobreza, as condições de vida das comunidades mas que simultaneamente demonstram uma alegria de viver impressionante.
Como descrevem as roças que encontraram em São Tomé e Príncipe do ponto de vista arquitetónico?
Podemos dizer que são estruturas agrárias muito particulares e a diferentes escalas; desde a organização sedes e dependências, até à arquitetura dos edifícios com influências portuguesas e europeias. Claro que o estado de conservação de muitas destas estruturas encontra-se em regressão, mas na sua maioria, os sinais da arquitetura de qualidade ainda são evidentes e passiveis, em muitos casos de recuperar.
De forma é que este livro pode contribuir, não só para a conservação das roças enquanto património histórico, mas também para a sua reinvenção, por exemplo através do turismo?
Aquilo que pensamos e desejamos é que este livro possa despertar consciências, quer ao nível da sociedade civil quer ao nível político. O despertar pode traduzir-se simplesmente na vontade de classificação deste património. Continua muito trabalho por fazer nesta matéria, e só através do reconhecimento e “acarinhamento” local se poderá cuidar deste património de São Tomé e Príncipe.
A sua reinvenção será com certeza o caminho a seguir, quer seja pelo setor do turismo, quer seja pela setor agrícola. Um património agroindustrial desta envergadura e dimensão, terá sempre de passar por este setor como vemos noutros casos de património desta natureza, seja no Brasil através da fazendas e engenhos, seja em Portugal através das quintas do Douro e Montes Alentejanos seja em África, como acontece a título de exemplo na Namíbia com os Lodges de produção agropecuária.
Fotografias da autoria de Francisco Nogueira.