Agrónoma de formação, Zara Merali está há dois anos a coordenar o projeto de Melhoria do Acesso a Serviços Sociais Básicos, implementado pelo IMVF na Ilha das Flores, na Indonésia. A poucas semanas do final do projeto, a colaboradora do IMVF no terreno fala sobre a experiência e sobre a implementação de um projeto que se propôs a levar água a 13 aldeias da regência de Larantuka, beneficiando diretamente cerca de 11 mil pessoas e tendo já ultrapassado os resultados previstos em 30%.
Com o aproximar do fim do projeto, o que destacas como principais resultados alcançados?
Além dos resultados previstos pelo projeto – que passam pela construção dos fontanários, por tornar mais funcional o esquema de distribuição de água da montanha até à aldeia e por ter um número razoável de famílias por fontanário, para minimizar tempos de espera para a coleta de água – o principal resultado é, para mim, a satisfação dos beneficiários, o sentimento de que o projeto melhorou a qualidade de vida das pessoas. Estas famílias passaram a não estar tanto tempo à espera para poder ter acesso à água e essa tarefa que exigia que mulheres, e até crianças, percorressem quilómetros todos os dias, foi minimizada no seu quotidiano.
Por outro lado, a água a que estas aldeias tinham acesso tinha um sabor, um aspeto e um cheiro diferentes. O poço do Zanipa, por exemplo, está aberto e, como está mais abaixo da aldeia, recebe todos os efluentes das chuvadas, das lavagens de roupa, por isso, no fundo, a água estava bastante contaminada e não era muito própria para consumo. As próprias pessoas disseram-nos que a água tinha um sabor estranho. Esta água que estamos agora a disponibilizar nos fontanários é mais limpa porque vem diretamente da montanha por gravidade e havendo logo tubagem na nascente há menor contacto da água com a atmosfera e portanto menor contaminação também.
Quais foram as principais dificuldades e mais-valias sentidas no terreno no decurso do projeto?
A principal dificuldade foi a língua porque não havia um idioma comum a ser fluentemente falado por todos os membros da equipa, o que exigiu sempre tradução e implicou atrasos. Graças à abertura demonstrada pelas lideranças das aldeias, pelo Governo e pelos fornecedores, não foi, ainda assim, um impeditivo para a concretização dos objetivos. Fora isso, houve um ou outro constrangimento numa ou noutra aldeia mas foram todos ultrapassados.
A principal mais-valia sentida foi serem os próprios habitantes das aldeias a quererem ter água e a receberem-nos com uma atitude muito aberta e de muito boa vontade para participarem no trabalho. Este projeto tem uma implementação muito rápida e o impacto também é por isso muito imediato. Uma das maiores satisfações pessoais que eu tive ao longo do projeto é que aqui trabalha-se, vai-se buscar a tubagem, constrói-se, os trabalhadores são pagos e de repente há água na aldeia!
Apesar da implementação do projeto ter coincidido com a altura de começar a trabalhar os campos, eu explicava que teria de haver um compromisso da parte das pessoas durante um período curto e delimitado e que a rapidez do projeto dependeria delas, mas globalmente houve sempre uma reação muito positiva e as pessoas quiseram realmente colaborar. Neste momento temos até líderes das aldeias que nos telefonam a perguntar: “Então quando é que vêm? Queremos trabalhar”. Têm aquela pressão da agricultura, mas também querem que a água chegue às suas aldeias.
Talvez às vezes possa ter sido um pouco incómoda mas o projeto tinha de ser implementado e depois dos resultados alcançados o ano passado [em 2012], o Governo local viu que o projeto fez aquilo a que se tinha predisposto superando os resultados: conseguimos fazer mais 30% do que estava previsto no que respeita ao número de fontanários, de reservatórios e de nascentes com infraestruturas reabilitadas, com recurso ao mesmo dinheiro.
Com o BAPPEDA, a agência de desenvolvimento local, que é o parceiro mais importante, a relação tornou-se muito boa.
Com a Worldvision Indonésia e a ONG local Diandessa a relação também foi muito positiva, sempre nos receberam muito bem e responderam a todas as nossas perguntas, assim como os fornecedores locais com os quais desenvolvemos uma relação de confiança.
Qual foi a reação da população beneficiária em relação à implementação deste projeto?
A reação foi muito positiva, um dos aspetos mencionados pela população foi que a gestão do projeto foi feita pelo IMVF: ao longo destes anos, estas aldeias têm sido beneficiárias de projetos financiados pelo Governo mas, depois da entrega do dinheiro, não há monitoria na gestão do projeto e das verbas pelo que acaba por ficar tudo uma grande confusão, o que por vezes levanta alguma desconfiança.
Relativamente a este projeto, dizem-nos que lhes saiu um grande peso de cima. Viram que os trabalhadores foram pagos, que foi tudo muito transparente, muito honesto, que fizemos aquilo que a que nos propusemos e que tentámos melhorar e demos resposta quando houve solicitações das comunidades ou quando foram detetados problemas técnicos.
As aldeias de Lamika e de Lewomuda, por exemplo, dependem de uma terceira para ser abastecida e havia pessoas que colocavam roupa dentro da tubagem para que a água não fluísse para estas aldeias. A aldeia que estava a boicotar o curso da água é considerada como dona da nascente porque a terra onde esta está pertence a uma das família que ali vive e, por isso, assume a água como sua, não a quer partilhar.
Este tipo de questões está fora do âmbito do IMVF, mas comunicámos a situação ao Governo local e aos chefes das aldeias. São questões internas e políticas, ligadas a sentimentos de posse e da falta de vontade de partilhar a água. Apesar disso, o balanço é positivo e o chefe de distrito mostrou-se muito empenhado em querer resolver o problema e em melhorar o abastecimento de água a todas as aldeias.
Reduziu-se ainda assim a deslocação até ao ponto de água, porque antes tinham de andar até ao reservatório e agora passam a andar só até ao fontanário mais próximo, em média conseguimos ter 5 a 7 famílias por cada fontanário. Este ano a época das chuvas já está a ser melhor e as nascentes estão cheias de água, até já estamos a substituir os reservatórios para terem mais capacidade. No fundo, o sucesso deste projeto também depende muito das condições da natureza.
O ano passado fizemos uma formação em manutenção dos sistemas de abastecimento de água que abordou o que é preciso fazer na nascente e nas infraestruturas que existem ao longo de todo o sistema de transmissão – a tubagem, os tempos para a verificação destes sistemas, etc. Existe um Comité de Água em algumas aldeias que, no fundo, é um grupo de pessoas que é responsável por ir verificar todo este sistema, se está a haver perdas de água, infiltrações, se os fontanários estão a funcionar, entre outras questões, por isso acredito que o projeto vá ter sustentabilidade.
Embora estes Comités estejam em níveis de maturidade diferentes, praticamente todas as aldeias têm um comité e todos participaram nesta formação.A Worldvision Indonésia, o ano passado esteve a trabalhar nestas aldeias e interveio sobretudo nesta temática da formação e manutenção destes Comités de Água para garantir que as lideranças do distrito e das aldeias trabalham nesta esfera. Esta organização focou o trabalho nesta parte da gestão e do funcionamento dos comités e nós trabalhámos a parte técnica. Foi um casamento muito bom.