No dia em que se assinala o 42º aniversário do município de Ekunha, a 13 de Dezembro de 2013, a coordenadora do projeto de Gestão Sustentável dos Recursos Naturais Florestais: Consolidação e Alargamento na província de Huambo, em Angola, faz um balanço dos resultados alcançados entre fevereiro de 2012 e outubro de 2013. Apaixonada por África, país onde nasceu e onde desde cedo começou a fazer voluntariado, Eunice Fernandes destaca também a sua experiência pessoal no terreno.

Quais foram os principais desafios e as principais mais-valias sentidas no terreno no decurso do projeto?

A mais-valia principal que senti no terreno foi o apreço, o carinho, o respeito, a admiração e a amizade que têm em relação ao IMVF, projetados sobretudo no falecido Eng. Manuel Barcelos. [primeiro coordenador do projeto]. No meu caso correu muito bem porque tenho uma afinidade muito grande com Angola, nasci lá e acho que isto é um dos fatores preferenciais para compreender a realidade local.

Segundo o IDF [Instituto de Desenvolvimento Florestal], a abordagem seguida pelo projeto é uma experiência com resultados muito significativos. De facto, Ekunha é o único município do Huambo onde este tipo de experiência decorreu e aquele onde os progressos relativos ao envolvimento comunitário e privado no florestamento foram mais visíveis.

A abordagem do projeto partindo para as aldeias, no contacto com as associações locais, particularmente ao nível das lideranças tradicionais, e motivando a entrada de privados, foi a tónica que tornou mais sustentável o reflorestamento do município.

A título de exemplo veja-se a constituição de 21 comités de gestão florestal (correspondente a 21 aldeias), que gerem as florestas comunitárias e são constituídos pelas pessoas mais importantes dentro da aldeia: o soba [chefe da comunidade], um catequista e um professor, pois são aqueles que chegam a um maior número de pessoas.

Tendo o projeto terminado no passado mês de outubro, o que destacas como principais resultados alcançados?

O município de Ekunha foi bastante afetado pela guerra, as pessoas sofreram muito. Os solos e as florestas foram igualmente afetados durante esse período. Este projeto conseguiu implementar cerca de 90 florestas comunitárias, e isso tem de facto bastante impacto.

Por outro lado, procurámos implementar a filosofia da silvicultura social através da criação de condições que induzissem um largo número de pequenos agricultores a plantar árvores para suprir as suas próprias necessidades de lenha e de proteção das suas parcelas de terra, e ao mesmo tempo servindo de corta-ventos.

O projeto apoiou igualmente o Viveiro Municipal de Ekunha, onde são produzidas várias plantas florestais e frutícolas e apoiou 17 viveiristas privados que, em conjunto detêm cerca de 400 hectares disponíveis para pomares e floresta, e que podem agora complementar esta oferta na região. Foram também apoiados 255 produtores frutícolas e silvícolas com formação, acesso a plantas e utensílios agrícolas.

Destaco igualmente o aumento da produção de mel, passámos de cerca de 300 kg no início para os 1.500 kg atuais. O mel está a tornar-se uma imagem de marca da Coopecunha [Cooperativa Agrícola de Ekunha, entidade parceira neste projeto] e do próprio município de Ekunha, mobilizando atualmente cerca de 180 apicultores locais.

O projeto promoveu ainda cinco hortas escolares como reforço da componente de sensibilização sobre a importância da árvore e do meio ambiente. Plantámos citrinos nas escolas para que os alunos e os professores, mais tarde, possam ter ali uma fonte de alimento. Cerca de 5.700 alunos e 190 professores beneficiaram destas ações de educação e sensibilização para a importância da floresta na preservação dos recursos humanos.

Entre fevereiro e outubro fizemos 35 formações em áreas diferentes, desde o acompanhamento no terreno à formação aos técnicos da EDA [Estação de Desenvolvimento Agrário de Ecunha], do IDF [Instituto de Desenvolvimento Florestal], da Administração de Ecunha e do Chipeio, em apicultura, fruticultura, enxertia e, inclusivamente, demos essa formação aos alunos finalistas do curso de engenharia florestal da Universidade da Chianga e da Universidade Agrária de Huambo.

Como descreves a relação com o parceiro local e restantes autoridades locais e de que forma em conjunto contribuíram para o alcance dos objetivos propostos?

A relação com a Coopecunha foi excelente, o presidente esteve sempre envolvido no dia-a-dia do projeto. Relativamente às autoridades locais destaco o SrNeto Hequele, um soba que esteve sempre do nosso lado. É um dos cinco representantes da ASSAT [Associação das Autoridades Tradicionais] e é também o representante dos Comités de Gestão Florestal e um dos membros constituintes da Comissão de Gestão das Florestas do Município de Ekunha. Esse organismo visa contribuir para a implementação do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta do município de Ekunha, plano este que é completamente inovador.

Com este projeto, Ekunha passa a ser o primeiro município em Angola a ter um plano de gestão para a sustentabilidade da sua floresta. Para além do presidente da Coopecunha, esta comissão integra a ASSAT, a EDA e o Departamento Económico da Administração Municipal de Ekunha, ou seja, reúne os quatro organismos principais do município de Ekunha, que estão agora responsáveis pela continuidade das nossas florestas e sem os quais os objetivos nunca teriam sido alcançados.

Qual foi a reação da população beneficiária em relação à implementação deste projeto?

Estamos a falar de um município que precisa de tudo e que não tem muitos meios. As pessoas são gratas a todos aqueles que contribuem para o desenvolvimento do município, quer seja na área da educação, da saúde, da floresta… a reação é sempre de um acolhimento muito sincero, de um agradecimento muito profundo, de uma vontade de participar e de contribuir para que o presente e o futuro sejam mais sustentáveis.

Em que aspetos sentes que o projeto teve maior impacto e que foi até inovador? 

No desenvolvimento do banco de germoplasma no Viveiro Municipal onde existem plantas de várias espécies, quer florestais, quer frutícolas. Os camponeses podem ir a esse banco e retirar garfos [técnica de enxertia] das árvores para depois fazerem enxertias nas suas próprias plantas ou para plantarem e podem com o apoio dos viveiristas da Coopecunha aprender algumas das técnicas utilizadas no viveiro. O Viveiro Municipal recebe pessoas vindas de outros municípios e de outras províncias – do Bié, de Benguela, de Moçâmedes, do Namibe, de Luanda – já tem portanto alguma projeção.

Outro legado determinante foi a operacionalização do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta, o que poderá projetar o município de Ecunha à escala provincial e quem sabe nacional. É de facto um trabalho inovador, particularmente no domínio florestal.

De que forma está a ser preparada a transição para a gestão sustentável dos recursos continuar a ser assegurada pelos atores locais?

Tivemos a grande preocupação de deixar tudo planeado para que a comunidade pudesse dar seguimento às linhas orientadoras do plano florestal. Definimos um plano rigoroso e fomos envolvendo todos os atores, sentindo sempre uma grande vontade por parte das principais entidades que trabalharam no projeto em dar-lhe continuidade.

De que forma viveste esta experiência enquanto coordenadora local deste projeto? 

Foi a grande experiência da minha vida: por ser um projeto com total ligação à comunidade, por ser no país onde nasci, pela dimensão humana que encontrei e pela experiência fantástica a nível profissional que constituiu. Gosto muito de desafios deste género, de missões que não são impossíveis, mas que são aquelas missões que também não são as que as pessoas normalmente desejam para si, e é aqui que todos os dias temos noção de que os nossos limites são ultrapassáveis.

É aquela sensação que raramente se tem noutras áreas profissionais – deitarmo-nos e se calhar num microssegundo antes de adormecer lembrar um sorriso de gratidão. Foi uma experiência incrível, a maior, mais bonita, a mais intensa experiência da minha vida a nível profissional e humano, a qual me fez crescer muito como ser no seu todo.

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