O coordenador do Programa Descentralizado de Segurança Alimentar (PDSA) em São Tomé e Príncipe, Celso Garrido fala sobre os objetivos da primeira e da segunda fases deste projeto, as mais-valias sentidas no terreno e as perspetivas de futuro no que toca à melhoria da segurança alimentar e nutricional no país. O reforço do fornecimento de produtos ao Programa Nacional de Alimentação e Saúde Escolar através de uma merenda escolar é uma das grandes metas da segunda fase deste projeto.
Quais foram os primeiros passos deste programa de segurança alimentar em São Tomé e Príncipe?
O Programa Descentralizado de Segurança Alimentar é um projeto financiado pela União Europeia (UE) e executado pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) e pela Federação das ONG de São Tomé e Príncipe (FONG) em parceria com a Rede Nacional da Sociedade Civil para a Segurança Alimentar e Nutricional de São Tomé e Príncipe (RESCSAN). Quando a UE dá esta oportunidade a países como São Tomé, que é um país que tem muitas dificuldades financeiras para levar a cabo as suas atividades, pensa sempre nos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e na estratégia de cada país na questão da alimentação.
Tivemos muitos problemas em 2008 e 2009 na alimentação a nível mundial, houve crises que obrigaram a UE a abrir algumas linhas de financiamento para ajudar os países na produção imediata de alimentos, nomeadamente o “Food Facility”, em 2009, que veio tornar acessível verbas para a disponibilização de alimentos nos países em que havia carências na produção. É daqui que surge o PDSA I.
Na primeira fase deste programa entregámos aos pequenos agricultores familiares fatores de produção, tais como sementes melhoradas de cebola, tomate, feijão, hortícolas diversas e materiais e equipamentos como picaretas, enxadas, pequenas máquinas de transformação, tudo isto para os ajudar a produzir.
Entre 2009 e 2011, em São Tomé e Príncipe houve uma grande melhoria e disponibilidade de alimentos no mercado local. Outra atividade de extrema importância para o projeto foi o apoio dado à RESCSAN no reforço das suas capacidades e na criação de um centro de recursos onde os membros da FONG podem ter acesso a informações.
Quais são as necessidades a colmatar nesta segunda fase do programa?
O objetivo fundamental da segunda fase é não só ajudar a produzir, mas também organizar os pequenos agricultores e transformadores locais em associações e cooperativas, de forma a garantir a sustentabilidade do projeto e daquilo que foi feito na primeira fase nomeadamente, no caso dos produtores da farinha de mandioca e derivados, que na sua maioria são mulheres rurais.
Outro dos objetivos desta fase é apoiar o Programa Nacional de Alimentação e Saúde Escolar, criado pelo Governo com o Ministério da Educação, porque há indícios de que o PAM [Programa Mundial de Alimentação] em 2016 deixe o país. O PDSA está a apoiar este Programa em atividades concretas, nomeadamente na organização dos agricultores para que estes possam levar o produto final da agricultura familiar às escolas e criar a logística dessa distribuição através da construção de alguns polos de abastecimento de alimentos.
O agricultor produz, leva a sua produção até esse polo – onde o produto não pode ficar muito tempo, porque é um polo intermédio – e a partir daí o PNASE [Programa Nacional de Alimentação e Saúde Escolar] redistribui para as escolas que estão envolvidas no Programa. A construção destes polos será uma mais mais-valia porque os distritos que serão beneficiários são áreas em que o PAM em princípio vai deixar de atuar – Cantagalo, Lembá e Lobata.
Nestes três distritos vamos construir três polos que serão da responsabilidade do Programa Nacional de Saúde Escolar. Cabe ao PDSA construí-los, criar algumas condições de armazenamento e de conservação dos produtos e dar apoio em termos de transporte – através da disponibilização de quatro motorizadas, uma delas cofinanciada pelo Governo de São Tomé.
Isto vai facilitar a distribuição dos alimentos que serão incluídos no cardápio das escolas, previamente elaborado pelo PNASE. Ainda não começámos a fornecer produtos de horticultura porque estamos na fase de ajudar os agricultores a negociar com o Programa, mas neste momento estamos já numa fase de negociação dos preços dos produtos que serão fornecidos, tais como o tomate, a feijão, a cebola, as folhas de quiabo, de mandioca, etc.
Quais são os problemas que se sentem mais no desenvolvimento agrícola de São Tomé? De que forma poderá este projeto contribuir para a sua melhoria?
São Tomé e Príncipe é um país com as condições ideais para a produção agrícola, mas infelizmente ainda utilizamos tecnologias muito atrasadas, rurais e com muitas deficiências. A produção de produtos hortícolas ainda é feita de uma forma muito rudimentar, com muita incidência de pragas e de doenças e com escassez de água, pois apesar de termos muita chuva, essa água não é aproveitada.
Contudo, há um aspeto fundamental: se o Programa de Alimentação Escolar conseguir funcionar em pleno, iremos garantir mercado aos agricultores que não estes não possuíam até este momento. Não estamos a dizer que o Programa vai comprar todos os produtos que são produzidos localmente mas, pelo menos, gostaríamos que o Programa garantisse a compra de 30% de produtos locais para a cantina escolar.
Se isso for feito é uma mais-valia para a agricultura são-tomense e vai melhorar muito as condições financeiras dos produtores da agricultura familiar. Por outro lado, começámos a mudar os hábitos alimentares porque, nos últimos anos, desde que o PAM entrou em São Tomé, a nossa alimentação mudou muito, e acho que um país que quer falar da segurança alimentar não pode depender daquilo que não produz.
Em São Tomé não se produz arroz, mas hoje em dia em todas as casas, o arroz é praticamente indispensável, quando deveria ser o contrário, porque os nossos hábitos alimentares incluem a fruta que temos durante todo o ano, o peixe que temos em quantidade e em qualidade, nomeadamente através do agroprocessamento.
De que forma se poderia aproveitar melhor estes produtos através da sua transformação, desse agroprocessamento?
Devemos aproveitar os produtos naturais e agregar valor. São Tomé e Príncipe é um país que produz muito em determinado período tempo, mas há momentos em que não há nada. Na época em que se produz muito não se consegue conservar. Se queremos agregar valor aos produtos devemos pensar no agroprocessamento e procurar pequenas alternativas semi-industriais de conservação desses produtos, por exemplo através da secagem.
No caso da manga, não se consegue consumir a fruta em sumos concentrados porque tudo é da época, e o país passa muito tempo sem ter isso. Se apostarmos no agroprocessamento teremos uma maior disponibilidade desses produtos no nosso mercado e agregamos valor aos produtos locais. Usando a energia solar, por exemplo, pode-se fazer pequenos fornos de secagem de banana prata ou de jaca.
Temos que pensar em adotar pequenas tecnologias de transformação de baixo custo. Se queremos melhorar a nossa dieta alimentar temos de pensar no processo de transformação. Em 2011, no PDSA conseguimos com o apoio técnico da Agrosuisse, erguer a primeira fábrica semi-industrial de farinha de mandioca em Margarida Manuel, no distrito de Mé-Zóchi, que tem capacidade para produzir 2 mil kg de farinha por mês.
Essa fábrica foi doada a uma cooperativa composta por 95% de mulheres, uma franja da população que é trabalhadora, mas que é esquecida. Nesta segunda fase do projeto, a fábrica tem estado a fornecer os primeiros produtos transformados à merenda escolar e, neste momento, já entrega um produto que chamamos de “filipote”, feito através da farinha de mandioca, e que é entregue nas escolas como se fosse um pão e também se começa a fornecer a farinha de mandioca que é preparada e produzida lá.
A partir de 2014, pensamos que outras potencialidades possam vir a ser exploradas, como a produção de pão, bolos e outros derivados de mandioca, que poderão ser incluídos na dieta escolar e também na nossa dieta diária, uma vez que a farinha de mandioca já é consumida pelo nosso povo de uma forma razoável.
Saí de São Tomé com 11 anos e fui para Cuba, que considero o meu segundo país. Quando regressei a São Tomé tive as dificuldades normais de um jovem num país com algumas deficiências de emprego. Mais tarde, juntamente com outros colegas criámos a ONG ADAPPA.Trabalhei em todo o país e aprendi muito com os agricultores que fui conhecendo. O meu pai foi diretor de algumas empresas agrícolas em São Tomé e desde muito cedo tomei contacto com esses meios. A partir daí vi a oportunidade de estudar agronomia.Tive bolsas de capacitação no Senegal, no Brasil, em Portugal e em São Tomé e fui crescendo e melhorando. Também sou agricultor – tenho uma pequena parcela de terra onde planto pimenta, banana-pão, goiaba e ananás – e estou diariamente envolvido com os agricultores familiares.
Veja-se, por exemplo, a cooperativa Nova Luz, que existe na localidade de Margarida Manuel, que foi construída pelo PDSA de raiz e tem equipamento semi-industrial. A construção desta fábrica trouxe vantagens para esta zona que não tinha energia elétrica nem água.Hoje a população tem uma energia de alta qualidade, tem água e se calhar terão uma estrada, que já entra no Orçamento de Estado, por causa da fábrica. Hoje a população de Margarida Manuel é felizarda por ter a fábrica, daí ser muito importante que as pessoas deem muito valor ao cooperativismo, porque se fosse cada um por si, nunca teríamos a fábrica e tampouco energia elétrica neste momento.A fábrica não só trouxe melhorias às populações que fazem parte da cooperativa, como também a toda a comunidade. As pessoas não estavam habituadas a trabalhar em conjunto, mas estamos a tentar mudar essa mentalidade para que percebam que juntas poderão ir mais longe. Estamos a falar de pessoas que há mais de 50 anos trabalhavam cada uma por si nos seus quintais e estamos a tentar agrupá-las.
Quais os passos que faltam para São Tomé e Príncipe poder ter segurança alimentar?
Ainda nos faltam algumas coisas. Somos um país fértil, mas falta-nos mudar de mentalidade, sentirmos que somos capazes de chegar mais longe e começar a pensar mais além. As pessoas acham que por São Tomé não ter condições financeiras está sempre limitado, mas não é verdade, temos que ir em busca das muitas oportunidades que existem por aí fora.
As pessoas não podem pensar que o Estado vai resolver tudo, a sociedade civil tem de ser mais ativa, o setor privado tem de deixar de pensar que é o Estado que tem de encontrar alternativas para que as coisas se desenvolvam, tem de haver parcerias entre o público e o privado.
As pessoas têm de arriscar, se não o fizerem vão depender sempre do financiamento externo, da Cooperação Portuguesa, de Taiwan, da União Europeia, da FAO [Food and Agriculture Organization]… Se o país apostar na agricultura, no turismo e na pesca acho que vamos melhorar.