Leonor Queiroz, 43 anos, agrónoma, coordenou localmente o projeto “Assistência Técnica e Reforço das Competências da HASATIL e das Organizações da Sociedade Civil de Desenvolvimento Rural em Timor-Leste”, implementado pelo IMVF nos últimos três anos. Fala-nos da sua experiência no terreno, dos principais resultados que este projeto alcançou e dos seus planos para o futuro: regressar à Guiné-Bissau para coordenar um projeto do Instituto na área da segurança alimentar.

Como descreves a experiência de coordenar localmente este projeto? 

Foi muito bom, mas foi também um grande desafio. Foi muito bom porque enquanto os dois projetos anteriores do Instituto em Timor tinham sido apenas implementados no distrito de Liquiçá, este projeto permitiu-me trabalhar em Díli e em todos os distritos do país. Essa circunstância deu-me um conhecimento muito maior do país e permitiu-me perceber as diferenças entre a capital e os distritos que apresentam realidades completamente diferentes em termos de desenvolvimento e métodos de trabalho. Foi um desafio muito grande porque foi um projeto muito abrangente, com várias ONG, as antenas da rede HASATIL – Rede de Agricultura Sustentável, em cada distrito. Por exemplo, ir visitar uma ONG benificiária podia significar andar 8 horas de carro.

O que destacas como principais resultados alcançados após estes três anos de trabalho?

O projeto teve uma componente de reforço da HASATIL a nível institucional e de capacitação dos seus membros. Foi dada formação em elaboração de projetos e em gestão da organização, tendo em vista a aquisição de competências para que todos os membros se tornassem autónomos na procura de meios de financiamento. Nesse aspeto acho que isso foi conseguido. A formação, em conjunto com o apoio dado em termos de reabilitação e equipamento das sedes permitiu que todas as ONG ficassem muito melhores do que estavam inicialmente, tal como a Rede, que é hoje mais autónoma e sustentável. Foi também dada formação aos membros no sentido de potenciar uma melhor participação no trabalho em rede, nomeadamente sobre a temática da segurança alimentar, de modo a que com mais conhecimentos, pudessem tomar melhores decisões e defender melhor as suas posições. Em termos do trabalho em rede e da participação na definição das políticas públicas e no trabalho de advocacia, considero que ficámos um bocadinho aquém do esperado, mas é normal porque o projeto tem três anos e muitos membros da Rede eram novos. De salientar ainda a realização do intercâmbio à Indonésia, a Portugal e ao Brasil, que permitiu ver de perto aquilo que se faz noutros países na área da segurança alimentar e assim abrir horizontes e conhecer outras realidades. Resumindo, considero que as ONG e a Rede em termos de gestão ficaram bastante melhores e podem trabalhar muito melhor do que antes do projeto. Em termos do trabalho em rede e da própria relação entre as várias ONG que pertencem à Rede HASATIL há ainda um caminho a percorrer.

Quais foram as principais mais-valias e dificuldades sentidas no decurso deste projeto?

A principal mais-valia deste projeto foi conseguir ser inovador do ponto de vista do fortalecimento das ONG. Em Timor e noutros países, as ONG locais são geralmente subcontratadas por ONG internacionais maiores para implementar projetos nos distritos onde trabalham, não tendo assim grande possibilidade de investirem na própria organização. Este projeto permitiu apostar diretamente nas ONG do ponto de vista da formação, do equipamento, havendo um acompanhamento mais próximo por parte da equipa do projeto, passando as ONG locais de implementadoras a beneficiárias. Outro ponto importante foi termos produzido bastante informação, fizemos manuais e filmes em tétum, adaptados à realidade do país e isso foi uma mais-valia. O que é que foi difícil? A logística do projeto porque ter uma ONG em cada distrito e querer acompanhá-la de perto implica ir visitá-las em deslocações de 8 horas. Outra dificuldade inicial, mas que depois foi colmatada ao longo do projeto teve a ver com o facto da maioria dos membros da Rede estar sediada em Díli. Isso não fazia muito sentido, sendo a HASATIL uma rede de ONG que trabalha no setor agrícola. O projeto teve por isso que abrir a Rede a novos membros na tentativa de identificar e capacitar pontos focais em cada um dos distritos. Desta forma garantimos que a Rede tenha hoje uma cobertura e representação nacional. Outra dificuldade foi gerir os diferentes níveis de organizações beneficiárias do projeto, o que dificultou um pouco a implementação do programa de capacitação. Esta dificuldade foi posteriormente ultrapassada com o programa de capacitação individual. Quando iniciámos o projeto, tanto tínhamos ONG muito pequenas, que não tinham sede ou funcionavam em casa, como ONG maiores, como a Cáritas ou a Fraterna, que já tinham uma sede, equipamento e outra capacidade de atuação.

Como avalias a relação com os beneficiários e com os três parceiros locais do projeto [FOKUPERS, BELUN e ETADEP]?

Foi boa, foi uma relação de confiança que se foi construindo no decurso do projeto, e tal como em todas as relações, demora o seu tempo a crescer. Já conhecia bem a ETADEP porque já era parceira do Instituto desde 2002, com a BELUN e com a FOKUPERS nunca tinha trabalhado, nem com a HASATIL, que apesar de ser beneficiária, via-a também um pouco como parceira do projeto. Com os beneficiários a relação foi muito boa. Acho que é sempre mais fácil trabalhar com as pessoas dos distritos do que com as pessoas das cidades, estas têm as coisas mais tomadas como garantidas e as pessoas dos distritos nem tanto. Tal como referi anteriormente, as ONG não estão habituadas a serem beneficiárias, e olharam para a equipa do projeto de outra forma, pois havia um acompanhamento permanente. O Miguel, que era o assistente técnico e o meu braço direito, o Abel, o motorista, por vezes o Fernando, técnico da BELUN e responsável pelo programa de formação, e eu tentávamos ir visitar todas as ONG de três em três meses, mas se houvesse alguma necessidade específica num distrito ou se fosse preciso entregar material deslocávamo-nos para acompanharmos de perto as rotinas do projeto.

Como é que era vivido o teu dia-a-dia no tereno?

Não havia um dia normal. Tentava planear a semana, mas há sempre imprevistos. Normalmente estava em Díli a trabalhar no escritório, tentava ir com alguma regularidade à sede da HASATIL para perceber aquilo que estava a ser feito, e quando havia formações fora da capital, tentava sempre estar presente.

Viveste em Timor desde 2010, quais os principais desafios que enfrentaste ao longo destes cinco anos?

Em termos de trabalho, o principal desafio foi a comunicação, porque mesmo falando tétum, continua a não ser a mesma língua aquela que falo e aquela que é falada pelos timorenses, porque não sendo timorense nunca se consegue ler nas entrelinhas do tétum. Portanto, sem dúvida, que a comunicação foi sempre um grande desafio que se manteve até ao fim. Acho que ao longo destes cinco anos, Timor mudou muito em termos de infraestruturas. Quando cheguei tínhamos um horário para a falta de luz, por exemplo, sabíamos que três dias por semana, em determinado horário, num bairro em especifico, não ia haver luz. Hoje em dia não deve haver quase sitio nenhum no país que não tenha luz 24 horas por dia. Também a nível das estradas e do próprio funcionamento do país, por exemplo, no que toca a questões burocráticas nota-se uma grande diferença, houve uma evolução positiva no país. Estas mudanças devem-se ao crescimento do país. Timor é um país que está a nascer, ainda é uma criança, tem 15 anos.

Depois desta caminhada, quais são os teus planos profissionais para o futuro?

Durante este tempo acho que ganhei alguma experiência no que diz respeito ao trabalho em rede, em particular no campo da segurança alimentar. Agora vou para o sítio onde mais quero estar, que é a Guiné-Bissau e espero que este tempo que estive em Timor e que aquilo que por lá aprendi possa agora pôr ao serviço do projeto ACTIVA. Este projeto inclui trabalhar com a RESSAN-GB que é a Rede da Sociedade Civil para a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na Guiné-Bissau e trata-se de um projeto de desenvolvimento regional e de fortalecimento da sociedade civil guineense. Uma das linhas de trabalho deste projeto é precisamente o fortalecimento da RESSAN-GB, no sentido de a tornar mais ativa a nível da participação na definição das políticas públicas relacionadas com a segurança alimentar no país. Os primeiros trabalhos que fiz para o Instituto como consultora externa, em 2009, foram na Guiné-Bissau. Agora regresso passado 6 anos e estou muito contente.

Factos e Números alcançados ao longo dos três anos do projeto:

11 módulos do Plano de formação transversal realizados ao longo do projeto, com uma média de 25 participantes por módulo;

12 ONG a beneficiar do programa de acompanhamento individual (formação em elaboração de Plano Estratégico, análise SWOT interna e apoio à revisão ou elaboração de Planos Estratégicos);

14 sedes de membros da HASATIL nos 13 distritos nacionais reabilitadas e equipadas promovendo a dignificação das suas condições de trabalho;

15 workshops Descentralizados sobre o processo de Descentralização conduzidos nos 13 distritos nacionais com mais de 1.500 participantes;

7 intercâmbios nacionais e 2 intercâmbios internacionais promovidos, trazendo novas dinâmicas de trabalho à rede HASATIL e aos seus membros;

13 pequenos projetos implementados por 12 membros da HASATIL e pela própria Rede, com o apoio do projeto;

11 fichas temáticas, 4 Pacotes de Informação e 5 filmes temáticos produzidos como ferramentas de advocacia, posicionamento institucional e de disseminação de informação junto dos membros da rede e das comunidades com as quais trabalham.

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