Quantas comunidades poderiam estar a conhecer este exemplo de economia solidária? Domingo, dia 22, foi um dia de Brasil na Terra Chã. O dia na companhia de António, Júlio, Pedro, Sónia e Raúl, que mostraram a Elisabeth Grimberg e Edlisa Peixoto – oradoras brasileiras da Tour Economia Social e Solidária 2016, integrada no projeto europeu SSEDAS – um pouco do que de melhor esta cooperativa tem vindo a edificar, a partir das experiências do Rancho Folclórico de Chãos. Uma aldeia que se equilibra entre a serra e o planalto e se cumprimenta pelas ruas que nos devolvem a um ponto de partida diferente.
Elisabeth Grimberg, coordenadora da área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis, em São Paulo, e Edlisa Peixoto, realizadora do documentário “Palmas” sobre o primeiro banco comunitário brasileiro, percorreram a 1ª etapa da Tour Economia Social e Solidária 2016 em Portugal, de 20 a 23 de maio. Estiveram em Lisboa e no concelho de Rio Maior, na companhia da cooperativa Terra Chã. A Tour Economia Social e Solidária integra o projeto Economia Social e Solidária (solidarityeconomy.eu) financiado pela União Europeia e que pretende convidar os cidadãos a protagonizar esta realidade em 48 territórios/regiões da Europa e do Sul Global, sendo um palco para sinergias e encontros.
“São dois para lá, dois para cá”
A dança de um grupo como a de um rancho folclórico não deixa margem para dúvidas. Há que se estar atento ao parceiro do lado e ao grupo como um todo para fazer acontecer. Há mesmo que se equilibrar entre as regras do grupo e alguma liberdade de movimento para acertar o passo ou improvisar novos. E foi neste ritmo coletivo, de uma juventude com ganas de conviver, recuperar tradições e trazer o mundo a Chãos, que a participação da comunidade é a chave que a mantém colaborativa desde os anos 80 e como cooperativa há mais de 15. Atenta às potencialidades de cada um e a soluções para os desafios que enfrenta.
No edifício da cooperativa, que alberga diferentes espaços como um restaurante, quartos de alojamento de natureza, ateliês e uma loja de produtos produzidos pela cooperativa, é possível ver como a Terra Chã se trata de um verdadeiro ponto de encontro. Mas nem sempre foi assim. “No princípio havia alguma desconfiança…” mas, a pouco e pouco, as pessoas perceberam que havia que introduzir mudanças “para se prestar um melhor serviço”, partilha Júlio Ricardo durante um almoço onde imperaram sabores singulares de galo com noz e bacalhau com migas.
Hoje, a Terra Chã reúne 65 sócios cooperantes, criou sete postos fixos de trabalho, conta com dois colaboradores através do IEFP de Santarém, três voluntários do Serviço de Voluntariado Europeu (SVE) e ajudou a mudar as mentalidades. Muitos voltaram à escola e os mais jovens prosseguem os estudos depois do liceu. “Alguns até ficam na terra”, conta ainda Júlio Ricardo. Pedro Mendonça, entusiasta, é um destes casos, ocupando-se em parte do projeto das cabras serranas e da apicultura na cooperativa.
À tarde, em conversa com António Frazão e Júlio Ricardo, membros da direção da cooperativa, Edlisa e Elisabeth partilham métodos de gestão, a partir das experiências do Instituto Pólis e do Banco Palmas. Partilham que no Brasil são as mulheres quem assina o contrato da casa para a salvaguardar de hipotecas. Sublinham a importância do fundo de reserva para a sustentabilidade das organizações. Sugerem as potencialidades do crowdfunding (financiamento com base em doações) para ajudar a dar corpo a projetos e falam dos contributos inestimáveis dos voluntários. Uma doação de tempo e entrega que espelha a história dos 60% de mão-de-obra voluntária na construção da casa da Terra Chã.
As histórias que Elisabeth e Edlisa têm para contar passam também por comunidades que, refletindo sobre a sua situação, resolveram organizar-se para melhorar a vida de todos e de cada um. No Brasil, 800.000 catadores de resíduos estão organizados em 60.000 cooperativas lutando pela melhoria das suas condições de trabalho e por um rendimento que traduza o papel imprescindível que têm na economia: recolher, separar e recuperar para a indústria material reutilizável.
Um trabalho de muita determinação contra uma discriminação social fortíssima, sublinha Elisabeth Grimberg, do Instituto Pólis. O mesmo se passou em Fortaleza, Ceará, onde o preconceito relativamente ao Conjunto Palmeiras era grande. Um bairro onde uma comunidade de pescadores deslocada para o interior, a 20 quilómetros do mar, cria a sua própria moeda – o Palmas – incentivando a poupança dos moradores com vista ao investimento em pequenos negócios e impulso do consumo local. A documentarista Edlisa Peixoto está convicta de que estas iniciativas não estão confinadas ao território onde se desenvolvem, tanto que hoje, com a ajuda da tecnologia gerada no Palmeiras, foi possível estender o fenómeno a mais de 100 bancos no Brasil.
Sementes de futuro em chão comunitário
“Esta componente de economia solidária, que nos chegou do Brasil através destes dois projetos apresentados pela Elisabeth e a Edlisa, permite-nos associar aquilo que foi o processo de desenvolvimento na aldeia de Chãos com os projetos que ouvimos falar do Brasil, em que há uma metodologia e um enquadramento que acaba por ser similar. Nós já conhecíamos o Brasil, experiências de Economia Solidária da Fundação Casa Grande a partir de projetos no Ceará, e acabou por se perceber que, com as metodologias corretas, a capacidade de fazer participar as populações, os projetos acabam por ser dinâmicos bem como sementes de futuro”, chama a atenção Júlio Ricardo.
Por isso, “há que pensar com as pessoas, fazer com as pessoas e para as pessoas, para que, no fim, elas possam avaliar os processos em que estiveram envolvidas e alimentar processos futuros” com vista a um “Desenvolvimento Sustentável”. É importante, por exemplo, que as pessoas pensem que “há uma luta que a comunidade tem de desenvolver para que a riqueza gerada nos nossos terrenos possa ser de nossa propriedade também”, prossegue.
Raul, a força da natureza
Depois da visita à casa da cooperativa, António e Júlio mostraram as terras por onde as 130 cabras serranas seguem religiosamente os chamamentos de Raul Rodrigues. “Raul me comoveu profundamente”, partilha Edlisa. “Raul compunha com a natureza de uma maneira diferente. […] O pastor estava ali, fazendo o trabalho dele… Houve uma sinergia entre nós”, prossegue Elisabeth do alto da serra e das emoções. Um profissional para quem a vida “é difícil” mas com destino marcado quando, aos cinco anos, avistando regularmente um pastor à porta de casa, ficou a saber por onde o seu coração passaria nos seguintes 40 anos. Também Edlisa e Elisabeth ficaram a saber que Chãos entrava nas suas vidas para ficar.
As oradoras brasileiras Elisabeth Grimberg e Edlisa Peixoto são convidadas da Tour Economia Social e Solidária 2016 que passa por 4 países europeus – começando e terminando em Portugal – no âmbito do projeto SSEDAS – Economia Solidária, implementado em Portugal pelo IMVF.