Como distribuir os benefícios por todos? À mesa coloca-se inevitavelmente a diferença entre a pressa do crescimento e o passo lento do Desenvolvimento. Numa aula aberta na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, na tarde de 23 de maio, alunos de mestrado e doutoramento em Ecologia Humana dialogaram com Elisabeth Grimberg, coordenadora da Área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis, em São Paulo, e Edlisa Peixoto, realizadora do documentário “Palmas” sobre o primeiro banco comunitário brasileiro. Há fome de “democracia económica, equidade, sustentabilidade… produção da vida”, reinvindica Elisabeth Grimberg.
Desde 1989, quando começaram as primeiras cooperativas de catadores de resíduos, já se podia perceber que o trabalho de recuperação de materiais reutilizáveis “traz benefícios sociais, económicos, culturais e ambientais para as cidades”, avança Elisabeth, do Instituto Pólis. Uma instituição que há quase 30 anos se dedica ao estudo e formulação de políticas públicas municipais bem como estratégias de desenvolvimento local. Em 2000 “dá-se um salto”, prossegue.
Com a campanha da UNICEF para retirar 50.000 crianças das lixeiras – Criança no Lixo, Nunca Mais – foi possível começar a pensar nacionalmente de forma integrada na questão dos catadores (não só das lixeiras como daqueles que trabalham nas ruas). “Como é que você tira a criança se os pais precisam daquela mão-de-obra?”, questiona. Como alude de imediato Iva Pires, anfitriã do encontro e coordenadora dos estudos de Ecologia Humana, “há que ir à raiz do problema”. Há que implementar “coleta (recolha) seletiva” e fazer com que os pais tenham “direito ao trabalho organizado fora do lixão, com moradias, assistência social, saúde, educação…”, garante a ativista do Instituto Pólis que viveu a intensa experiência de fechar uma lixeira em São Bernardo do Campo.
Ganha entretanto força, em 2001, o Movimento Nacional de Catadores, no Fórum Social Mundial. Hoje, para Elisabeth, uma das questão centrais é a criação de uma Agência Nacional de Resíduos Sólidos que controle a aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, com o governo Lula.
Contra a poluente incineração e a favor da reutilização de cerca de 90% dos resíduos sólidos, os desafios são grandes: reduzir, reutilizar, reintroduzir. No Brasil, por um lado, ainda há um desperdício enorme de materais recicláveis secos que vão parar a aterros e a lixeiras. Por outro lado, para a gestão dos resíduos recicláveis orgânicos há que apostar na sua reintrodução no solo, mediante a compostagem, e na produção de energia limpa da biodigestão. Neste processo energético, “o sistema confinado captura o gás metano, 21 vezes mais impactante que o CO2, abate a emissão de gases do efeito estufa e não queima”, explica Elisabeth. Para os aterros só deveria ir o material não reciclável, até se alcançarem os objetivos da Aliança Resíduos Zero. Surgido nos anos 70, o Resíduo Zero inspira-se nos ciclos naturais de vida, eficientes e sustentáveis, em que tudo é transformado em outros recursos, sem desperdício e sobras.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos não tem, entretanto, só um cariz ambiental mas também social. Há que promover a integração das pessoas que trabalham na área de recolha, separação e recuperação de materiais recicláveis e que fazem um importante trabalho de sensibilização dos cidadãos para estas questões, chama ainda a atenção Elisabeth.
Utopias?
Autoinclusão. Segundo Edlisa Peixoto, podemos começar, cada um de nós, por questionar-nos se é real aquilo em que acreditamos. A comunidade do Conjunto Palmeiras, em Fortaleza (Ceará), é um exemplo disso. “Porque é que somos pobres? Porque não temos dinheiro. E porque é que não temos dinheiro? Porque somos pobres… Mas seriam mesmo pobres?”. Uma comunidade que coletivamente gasta um milhão e duzentos mil reais não é pobre, constataram os moradores. Então… “A gente não é pobre. Alguém está ganhando o nosso”.
“Muitos pequenos comércios tinham acabado no Palmeiras porque ninguém comprava lá”, conta Edlisa. Houve um processo de sensibilização junto dos moradores e dos comerciantes, explicando o que significaria usarem e aceitarem uma moeda complementar. “Na verdade, aceitar uma moeda dessas significa muito mais do que ter um papel em dinheiro. Significa dizer que outra forma de economia é possível. Outra forma de nos relacionarmos com o consumo é possível”, relata a entusiasta Edlisa que não se desligou mais do bairro.
Para redistribuir a riqueza –antes gasta fora da comunidade – entre os moradores do Palmeiras fomentou-se, por um lado, a poupança e, por outro, o investimento na produção e consumo solidário com moeda própria. A moeda de um banco da comunidade: o Banco Palmas. Também é necessária uma justa distribuição dos rendimentos gerados na indústria para incluir quem trabalha na recuperação de materiais recicláveis mas não recebe uma remuneração fixa por isso. “Os catadores foram os únicos que tiraram esses materiais de aterros e de lixões e produziram a sua sobrevivência. A gente lutou até chegar a lei para o reconhecimento, para terminar com a perseguição, discriminação”, defende Elisabeth, para quem “é preciso não só gerar como também (re)distribuir a riqueza”.
O que parecem utopias não são mais do que verdades que se vão fazendo na “necessidade do local”, assegura Edlisa. Em fevereiro passado teve a oportunidade de conhecer diversas iniciativas locais de Economia Solidária em Portugal, algumas das quais reunidas em Faro no II Fórum de Finanças Éticas e Solidárias. Para a psicóloga e realizadora de “Palmas”, é importante que a Universidade chegue cada vez mais perto da realidade dessas iniciativas. Para os alunos, “foi importante aprofundar conceitos” e refletir sobre diferentes caminhos possíveis para o desenvolvimento.
As oradoras brasileiras Elisabeth Grimberg e Edlisa Peixoto são convidadas da Tour Economia Social e Solidária 2016 que passa por quatro países europeus – começando e terminando em Portugal – no âmbito do projeto SSEDAS – Economia Solidária, implementado em Portugal pelo IMVF.