Dia 21 de maio à tarde, visitaram o evento Portugal Economia Social na FIL, em Lisboa, duas experiências de Economia Solidária sem fronteiras. Elisabeth Grimberg, coordenadora da Área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis, em São Paulo, e Edlisa Peixoto, realizadora do documentário “Palmas”, deram a conhecer formas de fazer economia emancipatórias e não assistencialistas, como sublinhou Rogério Roque Amaro, moderador do debate e membro fundador da Rede Portuguesa de Economia Solidária. Uma economia onde as mulheres lutam para se posicionar. Uma vez, “o meu marido até me disse que eu tinha de escolher: ou ele ou a comunidade. Eu escolhi a comunidade”, partilha no documentário Marinete, primeira analista de crédito do Banco Palmas, o primeiro banco comunitário do Brasil.
O que podem ter em comum experiências de Economia Solidária geograficamente distantes? “O movimento popular brasileiro tem muito a ver com uma coisa que também temos em Portugal e que é o mutirão, o princípio da entreajuda. Nós, em Portugal, temos o princípio da ajudada, em Trás-os-Montes, por exemplo. Nesse princípio da solidariedade, da reciprocidade gratuita” – numa troca de bens/serviços – “cada um está disponível para ajudar o outro”, explica Roque Amaro. No caso dos exemplos trazidos do Brasil, podemos ver ações que, a partir da partilha e troca de recursos, potenciam tanto o rendimento como o desenvolvimento humano das comunidades.
Autónomo mas “tem que ralar”
Quando se fala de autonomia na Economia Solidária acresce-se numa responsabilidade coletiva no trabalho desenvolvido, onde a participação de cada um e a igual repartição dos benefícios gerados por todos são estruturantes. “Quando a gente vê que as coisas estão meio paradas […] a gente senta, a gente conversa. […] Tem que trabalhar. Tem que ralar”, garante Maria Dulcineia, tesoureira da COOPAMARE, no documentário “Boas Práticas de Economia Solidária: COOPAMARE”.
Desde 1989, a Cooperativa de Catadores Autónomos de Papel, Aparas e Material Reaproveitável (COOPAMARE) é uma cooperativa de catadores de resíduos sólidos exemplo de integração social e resiliência no Brasil. Estas cooperativas têm um trabalho altamente especializado: há “várias categorias de plásticos, de papel, de vidros e de metais”, tal como comprovam as “7 categorias por onde se distribuem 500 tipos de plástico”, especifica Elisabeth Grimberg.
Hoje, no Brasil, a quase 60 anos de luta, “tem marco legal, condições tecnológicas, financeiras, organizativas para se recuperar cerca de 90% de todos os resíduos sólidos urbanos gerados e integrar as cooperativas”, garante ainda a ativista do Instituto Pólis. Porém, na área da recolha, separação e recuperação de materiais reutilizáveis, considera que é preciso formalizar a prestação de um serviço de utilidade pública sob forma cooperativista.
Sem uma remuneração fixa, os catadores de resíduos são reféns da flutuação dos preços dos materiais recicláveis que a indústria compra e de uma estrutura logística muito cara. É o Estado – sobretudo através das Prefeituras (câmaras) – quem mais tem apoiado o trabalho dos catadores, oferecendo instalações, equipamentos, combustível ou capacitação. Na visão de Elisabeth Grimberg, o setor empresarial deve, porém, assumir as responsabilidades de um ciclo produtivo que passa pela inclusão do trabalho desenvolvido pelas coperativas dos catadores de resíduos: “Em vez de custear o sistema de coleta (recolha) seletiva e remunerar as cooperativas como seria a sua obrigação, o setor empresarial está a dar-lhes recursos, dizendo que essa é a forma de praticar a responsabilidade social corporativa e empresarial”, denuncia.
Bancos comunitários nem formalizados nem proibidos
No conjunto Palmeiras, em Fortaleza (Ceará), a comunidade resolveu incentivar a produção e o consumo interno para fazer com que o dinheiro aí circulasse mais tempo. A pouco e pouco, fazem-se pequenos empréstimos em reais (para compra do que fosse necessário para montar negócio). Por outro lado, criam-se formas de pagamento – como a moeda social “Palmas” – para incentivar o consumo solidário na comunidade. Nascia assim o Banco Palmas. Logo de início pensou-se: vamos juntar todas as mulheres que ganham o Bolsa Família e “vamos ensinar-lhes a montarem pequenos negócios”, relembra Edlisa Peixoto. “Como diz o Joaquim (fundador do Banco Palmas), enquanto uma pessoa não se sentir capaz de criar, ela pode ter dinheiro mas ela vai continuar miserável. […] Todo o trabalho das cooperativas de catadores também passa por isso. É ensinar a construir, ensinar a fazer…”, completa.
Mas quem deu a ideia de se fazer este banco? Os líderes que se mantêm há 30 anos na comunidade cresceram na difícil situação em que um conjunto de pessoas, de repente, se encontrou. 1500 famílias – muitas ligadas à pesca – sem quaisquer condições, quando levadas das zonas costeiras em 1973 para uma área de mato a 20 quilómetros do mar. Com uma forte entreajuda, o desejo de mudança da comunidade reforçou-se com o apoio das Comunidades Eclesiásticas de Base – padres que não só ajudaram as pessoas a refletir mas também a agir sobre a sua realidade – sem que, porém, nenhum milagre tivesse de acontecer. As lideranças no Conjunto Palmeiras continuam a desenvolver-se entre os jovens que se dedicam às tecnologias. São eles quem mapeia a comunidade e atraem novas parcerias. Trazem wi-fi ao bairro e apostam no software livre para semear novas iniciativas comunitárias.
Hoje na Venezuela, graças à adoção da metodologia do Palmas, criaram-se 3600 bancos comunitários, com um Fundo Nacional de Apoio e uma Lei dos Bancos Comunitários. Um reconhecimento legal que no Brasil ainda está a aguardar luz verde mas onde os bancos geridos pela comunidade não foram proibidos, existindo mais de 100 espalhados pelo país.
“Eu acho que essa história tem uma função: fazer a gente acreditar que, se essas pessoas puderam fazer a revolução que fizeram nas condições que tinham, nós podemos muito”, desafia a realizadora de “Palmas”.
As oradoras brasileiras Elisabeth Grimberg e Edlisa Peixoto são convidadas da Tour Economia Social e Solidária 2016 que passa por 4 países europeus – começando e terminando em Portugal – no âmbito do projeto SSEDAS – Economia Solidária, implementado em Portugal pelo IMVF.