O decrescimento é um conceito, um movimento e uma forma de pensar que não se foca apenas num menor crescimento, consumo ou produção, mas, convidando-nos a mudar e a reforçar as nossas relações económicas e a nossa relação com os modelos económicos dominantes.

Porque reconhecemos que é necessário adotar estilos de vida cada vez mais sustentáveis e éticos, através do projeto Erasmus+ From growth mindset to degrowth actions, fomos desafiados pelos nossos parceiros da Eslovénia, a participar num intercâmbio para jovens, onde foi possível explorar as práticas de crescimento aliadas às práticas da justiça social e ambiental.

A Raquel Serdoura e o António Rufino aceitaram o nosso desafiou e contaram-nos a sua experiência.

Eu sou uma ativista interseccional pela igualdade de género e justiça climática. Interessada em movimentos sociais e comunidades que lutam por um futuro mais paritário, justo e sustentável. Amante de comida é-me natural lutar por um sistema de cadeias de abastecimento alimentar mais ético para todas as pessoas. – Raquel Serdoura (RS)

Eu sou o António Rufino Marques, sou licenciado em osteopatia pela ESSCVP e formado em medicina tradicional chinesa pela ESMTC, atualmente tenho um consultório em Lisboa onde faço consultas nestas áreas, tendo inclusivo já feito aulas de Qi Qong em parceria com uma associação em que sou voluntário, na Barafunda AJCSS situada na Benedita. – António Rufino (AR)

Depois de uma semana tão intensa a falar de consumo sustentável, de decrescimento e das interdependências sociais, consegues identificar os principais desafios que os jovens enfrentam para adotar comportamentos mais sustentáveis, sustentáveis e éticos, em termos de consumo?

RS: Um dos maiores desafios que se apresenta aos jovens para poderem adotar comportamentos mais sustentáveis é definitivamente a acessibilidade a produtos que sejam sustentáveis a um nível ambiental e humano, assim como éticos. Muitos produtos que cumprem todos estes critérios ou são financeiramente mais dispendiosos ou não se encontram tão facilmente em comunidades que não estejam em grandes centros urbanos.

A falta de acesso e de informação sobre estes produtos afasta bastante os consumidores, especialmente os mais jovens.

AR: Vejo como os principais desafios os diferentes níveis de sustentabilidade não estarem bem definidos entre os vários países da união europeia, existindo por vezes regras e hábitos diferentes de lidar com situações semelhantes. Em relação ao consumismo noto que os jovens cada vez se preocupam mais em reduzir a sua pegada ecológica, desde a maior utilização de transportes públicos, recurso à bicicleta aquando de cidades adaptadas com ciclovias devidas. Redução do consumo de roupas ou outros recursos em por vezes temos em excesso e nem damos conta do mesmo, tendo a pandemia vindo demonstrar ainda mais esta questão.

Desafios são a dificuldade em obter acesso a produtos mais ecológicos e sustentáveis a um preço que possa ser mais equiparado aos restantes produtos, tornando-se por vezes um certo luxo ter acesso a comprar esses produtos devido a serem mais caros e por vezes de difícil acesso visto não estarem tão bem distribuídos.

Reconhecendo que os jovens estão empenhados e comprometidos com a luta contra as alterações climáticas, sentes que este compromisso está enraizado num conhecimento profundo dos impactos sociais da atual crise climática? Ou acreditas que existe ainda um percurso a equilibrar o tema da justiça social e da justiça climática?

RS: Completamente. Os jovens que estão empenhados na justiça climática compreendem a intersecção desta luta com a luta pela igualdade de género, por uma economia social e circular e pela melhoria de condições de vida no Sul Global. Contudo, tendo em conta as medidas tomadas até agora pelos governos e pessoas em decisão de poder para mitigar os efeitos desta crise climática, as ramificações desta na desigualdade de género ou na crise migratória são ignoradas na sua totalidade.

AR: Sinto que ainda existe um grande percurso pela frente na mudança de mentalidades, no entanto sinto que estamos no bom caminho. Neste curso existiu uma grande mais valia que foi terem participado pessoas de países como o Afeganistão, Vietname e Índia ( estudantes vindos de uma universidade de Viena) estas visões de países em subdesenvolvimento veio nos colocar em causa muitas das nossas ideias sobre o conceito do “degrowth”. Tendo percebido que não basta falar nestes conceitos na união europeia sem ter a noção de como ele é visto e sentido.

O que destacas como ponto mais positivo nesta semana de aprendizagem?

RS: A criação de uma comunidade em que todos tem uma voz e todos são ouvidos. Um dos pontos mais importantes desta semana foi a tomada de decisões em conjunto, assim como a divisão de tarefas. Para isso ser possível, tivemos de conciliar diferentes personalidades e diferentes formas de pensar de modo a que todas as pessoas se sentissem validadas. Ninguém se sentiu excluído.

AR: O facto de termos sido restringidos a fazer uma alimentação restrita de acordo apenas com os ingredientes que nos facultavam produzidos na época e localmente obrigou-nos a inovar e a pensar maneiras diferentes de utilizar o mesmo produto e em como nós independentemente do país estávamos em pé de igualdade pois cada país tem recurso a alimentos diferentes, tendo sido uma aprendizagem a partilha de saberes e experiências ao longo dessa semana.

E negativo?

RS: É-me bastante difícil identificar um ponto negativo, mas inicialmente existiu um período de adaptação a algumas das personalidades mais fortes do grupo.

AR: Em relação à formação degrowth alguns temas ficaram um pouco aquém das expectativas e foram pouco aprofundados. Outra questão foi o pouco trabalho de campo junto das hortas comunitárias pois para mim seria muito mais rico ver ao vivo a produção, os métodos utilizados, etc.

Em Portugal, o que achas que ainda precisamos de fazer para promover um sistema alimentar mais ético e justo?

RS: Em Portugal, ainda precisamos de percorrer um longo caminho no que toca a um sistema alimentar mais ético e justo. É preciso aumentar a literacia sobre este assunto especialmente nos consumidores, para que possam fazer escolhas mais conscientes. Mas também tem de se proteger os pequenos produtores, através de mecanismos que impeçam que a maioria do valor da produção recaia sobre os grossistas, como por exemplo os supermercados.

AR: Ainda existe muito pouca cultura nesse aspeto, mesmo em relação a opções vegans e vegetarianas fora as grandes cidades tais como Lisboa e Porto essa oferta ainda é muito pobre. Em relação às questões do fairtrade sinto que ainda é algo muito desconhecido pela grande maioria da população portuguesa. No geral em Portugal muitas das coisas interessantes ao nível do sistema alimentar, comércio justo e ético promovido ao nível da União Europeia ainda está pouco presente no nosso dia a dia.

Qual o melhor e o pior cenário que projetas para 2030?

RS: Em 2030, projeto que o pior cenário será a uma desigualdade ainda maior de distribuição alimentar, deixando bastantes zonas com escassez alimentar e grandes grupos de pequenos agricultores endividados devido aos baixos preços e salários praticados. Num melhor cenário, projeto a existência de uma diretiva europeia sobre o sistema de abastecimento alimentar que proteja os trabalhadores e os consumidores, contribuindo assim para uma distribuição alimentar mais equitativa.

AR: Não gosto de fazer previsões de futuro, mas gostaria que até lá existisse uma aposta grande numa alimentação mais saudável, ecológica e sustentável, demonstrando que todos nós podemos ter um papel mais ativo na sociedade e que os nossos consumos podem mudar as regras do jogo.

Previsões negativos, dependendo da situação da guerra na Europa, das alterações climáticas, prevejo que milhões e milhões irão sofrer cada vez mais devido a seca, inundações, crises económicas etc.

Qual foi o gatilho que te despertou para o ativismo?

RS: A compreensão de que se nós não lutarmos por um mundo melhor para todas as criaturas, ele apenas piorará.

AR: Interesse por aprender e transmitir o meu conhecimento para com os outros, tentar criar um mundo melhor com mais empatia e mais igualdade.

Uma dica, um incentivo, um pensamento para todas as pessoas que ainda estão no início da jornada?

RS: É um caminho longo e árduo o do ativismo, mas não desanimem, porque não estão de todo sozinhos! Esta é uma caminhada que se faz sempre em conjunto e na qual vamos criando laços e aprendendo cada vez mais. Por isso, não tenham medo de fazer perguntas e de se informarem sobre o que está a acontecer, há diversos sites, livros e podcasts sobre justiça social e climática. Pessoalmente recomendo ouvirem o podcast Do Zero, estarem atentos ao trabalho de ativistas como Vanessa Nakate e o livro The Green Belt Movement da ativista Wangari Maathai.

AR: Se tens um projeto ou uma iniciativa não desistas, procura alguma instituição ou associação que te ajude, junta-te com alguns amigos e não tenhas medo de pôr em marcha e tentar fazer a diferença pois parecendo que não irá existir sempre alguém por alguém com ideias e convicções semelhantes basta ter paciência e persistência e tudo acontecerá.

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