São urgentes programas que possam responder aos desafios centrais como as mudanças climáticas e a segurança alimentar. Kozel Fraser trouxe a experiência bem sucedida de comércio justo dos pequenos produtores das Ilhas Windward (Caribe) ao painel “Práticas da Comunidade para o Desenvolvimento”, na manhã de 4 de novembro de 2016, no âmbito do Seminário “Autarquias locais rumo a 2030: diálogos para o desenvolvimento”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Um sistema de produção e consumo ético que garante a proteção do ambiente e da saúde pública bem como viabilizam condições dignas de vida para os trabalhadores e as trabalhadoras.
Segundo a coordenadora da Associação dos Agricultores das Ilhas Windward (WINFA), Kozel Fraser, “precisamos de um modelo de desenvolvimento que passe não só pela inovação tecnológica”, mas que, antes de tudo, tenha os seus “pilares bem assentes na ética”. Todos são chamados à sua edificação conjunta mediante políticas que garantam o cumprimento de critérios de sustentabilidade ambiental, social e económica; negócios que assegurem o sustento e a dignidade dos trabalhadores envolvidos; escolhas de consumo ponderadas e promotoras de justiça social.
Para Kozel Fraser, ao mesmo tempo que se deve incentivar o consumo de produtos locais – com um menor impacto na pegada ecológica – é importante pensar também naqueles cuja sobrevivência depende da exportação dos seus produtos, complementares à produção de outras regiões. “Estamos a trabalhar num contexto global para atingir o desenvolvimento sustentável em 2030, onde se devem conciliar os interesses ambientais e socioeconómicos”, adverte. Trabalhar para a paz e para a preservação ambiental é, segundo Kozel Fraser, um exercício no qual “ninguém nos pode substituir” e cada um de nós é chamado a contribuir “crítica e ativamente”.
Fruta Tropical Justa: Portugal rumo a compras mais responsáveis
“Os supermercados providenciarão produtos sustentáveis se os consumidores assim o exigirem” e “creio que os portugueses querem consumir de forma responsável”, assegura Kozel Fraser, ativista da campanha “Fruta Tropical Justa”, de visita a Portugal entre 31 de outubro e 4 de novembro de 2016. Neste período, teve a oportunidade de estar à mesa com os grupos Jerónimo Martins e Sonae, dois dos principais retalhistas em Portugal. Estes mostraram-se disponíveis para falar sobre a cadeia de abastecimento das frutas tropicais e ficar a saber mais sobre as especificidades dos produtos do Comércio Justo. Caberá ao consumidor escolher.
São os retalhistas que o dizem: compramos o que os consumidores querem comprar. Para Kozel Fraser, um consumo de produtos que respeita, na sua génese, o ambiente e as condições de vida dos trabalhadores é um consumo saudável e garantia para as próximas gerações. Num momento que ainda é de crise económica, seria importante não fazer pesar sobre os consumidores portugueses os custos mais elevados que este modelo justo de produção comporta. Kozel Fraser acredita que há espaço para os retalhistas reduzirem as suas margens de lucro na venda da banana, um dos alimentos mais procurados pelos portugueses. Os produtos certificados pelo Comércio Justo Internacional (Fairtrade International), que cumprem tanto critérios ambientais como critérios sociais, são hoje, por um lado, uma alternativa viável para os pequenos produtores das Ilhas Windward (Caribe), que Kozel Fraser representa. Por outro, constituem uma garantia de biodiversidade e qualidade para muitos consumidores que os vêm adquirindo no mercado do Reino Unido.
As bananas que pedem trégua
Hoje em dia, as bananas simbolizam as vitórias (e os desafios) da certificação do Comércio Justo e são dos produtos mais vendidos entre os que são comercializados de forma justa, com quotas de mercado entre os 10% e 50% em vários países europeus. Os preços mínimos pagos pelas bananas do Comércio Justo impediram que milhares de pequenos agricultores fossem excluídos do mercado. Há também algumas organizações bem estabelecidas no circuito do Comércio Justo que seguem as regras consensuais e abrangentes da certificação Fairtrade International, ou que vão para além delas, mas que não usam a certificação de Comércio Justo.
Contudo, para Kozel Fraser, a introdução de alguns produtos do Comércio Justo pelos retalhistas não substitui, por um lado, a necessidade de os Estados implementarem leis que regulem as práticas comerciais globais dos retalhistas que operam na sua área de jurisdição. Por outro, não substitui a necessidade de se criarem mecanismos de controle independentes que garantam o efetivo exercício de práticas comerciais justas nos países exportadores, nomeadamente junto de grandes plantações de fruta tropical não asseguradas pelo sistema do Comércio Justo. Seria importante, por exemplo, os supermercados que querem garantir sustentabilidade junto dos seus públicos, “encontrarem formas de verificar no terreno o dia-a-dia e as condições de vida dos trabalhadores”, sublinha.
A campanha Fruta Tropical Justa tem vindo a denunciar violações de direitos como más condições de vida e de trabalho nos países exportadores, em particular para os migrantes e para as mulheres, mas também a falta de liberdade associativa e de perseguição dos sindicatos bem como o uso de agroquímicos nas plantações e consequentes impactos no ambiente e na saúde dos trabalhadores.
Cidadania gera cidadania
Para ter poder de compra, cada cidadão tem de ter acesso a um emprego digno. Seja esse cidadão um trabalhador de uma plantação de fruta tropical na América Latina seja esse um cidadão que compra essas mesmas frutas na Europa. Por isso, através da pressão de sindicatos ou dos cidadãos junto dos retalhistas – que têm a palavra final sobre o preço justo a pagar aos fornecedores – e junto da UE e governos europeus – que têm o dever de regulamentar as práticas comerciais – é possível lutar pela preservação do ambiente, pela soberania alimentar e por uma maior justiça social. Direitos indissociáveis.
A coordenadora da Associação de Agricultores das Ilhas Windward (WINFA), que trouxe a voz dos produtores e trabalhadores da campanha “Fruta Tropical Justa” a Portugal, participou dia 4 de novembro no Seminário “Autarquias locais rumo a 2030: diálogos para o desenvolvimento”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Na sua estadia em Portugal, Kozel Fraser visitou os grupos Jerónimo Martins e SONAE e recebeu por parte da DECO/Consumare, da CGTP-IN e da Plataforma Portuguesa das ONGDs demonstrações de solidariedade e de futura sensibilização dos cidadãos para mais iniciativas que contemplem práticas comerciais justas.
O projeto “Fruta Tropical Justa – Promover as frutas tropicais justas no Ano Europeu para o Desenvolvimento e pós-2015” é financiado pela União Europeia (UE) e promovido em Portugal pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), rumo à adoção na UE de práticas comerciais justas em toda a cadeia de abastecimento das frutas tropicais. O projeto, desenvolvido entre 2015 e 2018, envolve 19 parceiros da UE, Camarões, Colômbia, Equador e Ilhas Windward.
O vídeo
As pessoas têm o poder. Entre 31/10 e 4/11/16, o projeto Fruta Tropical Justa trouxe a Portugal Kozel Fraser, coordenadora da WINFA. Kozel partilhou a experiência dos produtores de banana do Caribe que optaram pelo comércio justo para enfrentar desafios sociais, económicos e ambientais. Caberá aos cidadãos fazerem escolhas que libertem os mercados da precariedade. A mesma precariedade que os força a pensar que, enquanto consumidores com baixo poder de compra, não têm capacidade de influenciar o mercado. Mas têm.
Por Âmago Multimédia