Muitos de nós desconhecemos, mas existe uma grande invisibilidade sobre o tema dos solos. A sua importância não tem sido devidamente reconhecida, sendo pouco trabalhada, em termos de Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global (EDCG). Se pensarmos bem, analisando os solos, podemos alargar o debate à volta da cidadania global. Se solos contaminados com microplásticos levam-nos ao consumo insustentável, a questão dos solos ricos em minerais transporta-nos quase sempre para discussões sobre conflitos, democracia e comércio. Por isso, quando te perguntarem sobre a relação entre brócolos e cidadania, já sabes que estão intrinsecamente relacionados.
Foi precisamente esta relação, entre EDCG e solos, o motor da conversa da mesa-redonda Jovens 2030 – Mobilizar para Agir, que decorreu a 2 de abril de 2025.
Promovido pelo IMVF, o evento contou com a participação de representantes da sociedade civil e técnicos de Autarquias Portuguesas e de Cabo Verde, especialistas em ambiente, juventude, cooperação para o desenvolvimento e cidadania global, para debater temas cruciais como a sustentabilidade, emergência climática, igualdade de género e migração.
A questão dos solos é um dos maiores desafios do nosso tempo. Olhando para o atual panorama – aumento da sua degradação, perda de biodiversidade e escassez de recursos naturais – o evento destacou a necessidade de repensar a forma como gerimos o solo e seus recursos. A proteção dos solos não é apenas uma questão ambiental, mas também uma questão social e económica, diretamente ligada à segurança alimentar e à sobrevivência de milhões de pessoas em todo o mundo.
João José Fernandes, diretor da Oikos, um dos especialistas convidados a participar nas discussões, conduziu-nos numa reflexão sobre o papel da erosão dos solos, na queda de impérios, nos conflitos atuais e nas dinâmicas sociais que se geram em torno do tema dos solos (migrações, condições laborais…).
“Falar de solos é falar de agricultura, de emergência climática, de igualdade de género, de migração e de tantos outros temas que compõem a Cidadania Global. Não podemos falar de soluções locais sem entender as interconexões globais e a importância que o solo tem na vida de cada um(a) de nós, sendo um recurso ao qual não damos muita importância.”
A importância da juventude foi, também, foco nesta mesa-redonda, em particular a criação de oportunidades e espaços para a intervenção ativa e a auscultação dos jovens, por parte de organizações que lideram projetos de cidadania e cooperação.
Para o especialista em temas e participação da juventude, Nuno Carvalho, da Associação RATO, temos de começar por desconstruir a mitologia do jovem, e pensar que estamos a falar “de um ser humano em processo de construção, que não se apresenta nem como um herói, nem como um vilão”.
Quando falamos em participação dos jovens nas atividades, é fulcral auscultar verdadeiramente os jovens e perceber que o não participar nas atividades, o não estar, é uma forma de participação, é um posicionamento.
“É importante que os jovens sintam. Se não sentirem a urgência, não vão entender a pertinência.”
Mais do que trabalhar temas, é cada vez mais importante trabalhar princípios e valores, que são estruturais ao processo de aprendizagem em EDCG: empatia, equidade, solidariedade, justiça social, cooperação. É importante ter “tempo” para que se trabalhem estas competências.
Na mesa-redonda foi, ainda, possível abordar outros temas como a relação entre a proteção dos solos e a igualdade de género, destacando o papel vital das mulheres na gestão dos recursos naturais, muitas vezes enfrentando barreiras de acesso a tecnologias e financiamento; as estratégias e políticas de migração, refletindo-se sobre o aumento da migração forçada devido à degradação ambiental e à desigualdade social.
Por fim, foi reafirmada a necessidade de um compromisso coletivo para agir. Os participantes apelaram a uma maior conscientização e ação tanto ao nível local quanto global, com ênfase na mobilização da juventude, alertando “que os jovens conseguem valorizar aquilo a que são expostos, e ao que são expostos não depende, muitas vezes, de uma ação direta dos jovens”. É importante garantir que os esforços em prol da sustentabilidade sejam concretizados, mas o peso da mobilização necessária para esta transformação, não deve apenas ser colocado sobre os jovens, mas sim um compromisso dos demais atores do desenvolvimento.
O evento terminou com uma chamada à ação, destacando que a construção de uma cidadania global responsável, dependendo de como cada um de nós lida com os recursos naturais e assume a responsabilidade pela preservação do planeta.
A mobilização global para agir continua, e o papel da juventude continuará a ser valorizado na construção de um futuro sustentável e mais justo para todos.