A 19 de abril foram assinalados os 25 anos da construção da soberania alimentar, dando voz a 4 defensores ativos dos direitos do mundo rural através de uma conversa onde ficámos a conhecer a sua experiência pessoal, bem como os desafios que persistem.
O webinar 25 anos de lutas dos/as camponeses/as para tornar realidade a Soberania Alimentar, transmitido a partir de Lisboa e São Tomé, constituiu um verdadeiro momento de partilha e aprendizagem. Os oradores relembraram o trabalho que tem vindo a ser feito para a construção da soberania alimentar, designadamente em São Tomé e Príncipe, dando visibilidade a todos os sucessos e realizações alcançados. No entanto, e porque este dia representa também o momento de redobrar os esforços coletivos para obter a realização da soberania alimentar durante os próximos 25 anos, os oradores alertaram para o caminho que falta percorrer para que seja possível dar resposta a problemas como a dependência alimentar de São Tomé e Príncipe de produtos importados, a falta de produção local de alimentos que satisfaçam as necessidades alimentares das comunidades e a insegurança alimentar que persiste no país.

Moderado por Joana Dias, da ACTUAR, este webinar contou com a presença de Nélia Neves da FIAN (Portugal), Cosme Cabeça, agricultor e membro da FENAPA-STP (São Tomé e Príncipe), Adalberto Luís, da Zatona-ADIL e membro da RESCSAN-STP (São Tomé e Príncipe) e Maria de Fátima, da AMAGRU-STP (São Tomé e Príncipe), numa conversa onde foi reforçada a importância dos direitos campesinos e da agricultura familiar com foco nas realidades vividas na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Joana Dias, enquanto moderadora deste webinar, começou por realçar a importância dos 25 anos de construção da soberania alimentar, que é um tema que tem vindo ao longo do tempo a ser incluído não só como tema de discussão nas agendas internacionais, mas também a nível nacional, pelo que alguns governos têm incluído nas suas próprias políticas e constituições a questão da soberania alimentar. E, frisou ainda, que foram 25 anos de muita luta, muito empenho, de muitos avanços e recuos, mas que houve sem dúvida um reconhecimento muito claro da importância da soberania alimentar, salientando a aprovação, em 2018, da declaração dos direitos campesinos por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas e, desde 2015, o reconhecimento da agroecologia na agenda política das Nações Unidas.
Nélia Neves | FIAN Portugal
Com foco na declaração das Nações Unidas pelos direitos dos/as camponeses/as e dos/as trabalhadores/as de zonas rurais, Nélia Neves destacou que a declaração aprovada em 2018 é resultado de 20 anos de mobilização pelos direitos campesinos. Neste sentido, referiu que o principal objetivo desta declaração é dar resposta às múltiplas formas de discriminação que os/as trabalhadores/as rurais enfrentam, alertando que muitas vezes os produtores dos alimentos que todos nós consumimos não têm condições para alimentar a sua família.
Considerando as implicações para o contexto português e tendo em conta a situação que vivemos atualmente em Portugal, a oradora preveniu que o direito à alimentação adequada não está previsto explicitamente na constituição portuguesa, estando apenas implícito através de artigos como o direito à vida e à saúde. Mencionou também que, neste sentido, torna-se fulcral incluir nas políticas nacionais e locais um enquadramento que contribua para promover os direitos e a dignidade provenientes da alimentação e nutrição adequadas.
Para terminar a sua intervenção salientou que, em 2018, foi aprovado o estatuto da agricultura familiar em Portugal, e que este foi um passo muito importante em diversos aspetos, nomeadamente pelo reconhecimento e pela importância do valor dos agricultores familiares no tecido social e económico do país, através da promoção dos produtos e mercados locais, da passagem do conhecimento tradicional, da interligação com circuitos agroalimentares, de uma menor dependência de bens do exterior e da preservação do meio rural, dos recursos naturais e de modos de produção sustentável.
Cosme Cabeça | FENAPA-STP
Com foco na segurança alimentar, Cosme Cabeça mencionou que o tema da necessidade de investir mais nos produtos locais não é um tema novo e que já tem vindo a ser falado.
No entanto, o orador, enquanto produtor rural, alertou que em São Tomé e Príncipe são produzidos produtos para exportação e produtos para consumo local. Neste contexto, salientou a importância de criar fileiras que deem resposta aos produtos que são consumidos localmente, por forma a que seja possível alcançar a soberania alimentar. Visto que, atualmente, as comunidades consomem produtos sazonais e estão dependentes dos produtos que vêm de países parceiros.
Adalberto Luís | Zatona-ADIL & RESCSAN-STP
Adalberto Luís começou por contextualizar a associação Zatona-ADIL, fazendo referência à sua origem e evolução, tendo como base o seu principal objetivo: promover o desenvolvimento do mundo rural. O orador ressalvou que no início da atuação da Zatona-ADIL, a sua ação consistia em estimular a criação de associações de forma a promover a união dentro das comunidades, mas no entanto, apesar das associações terem um importante papel enquanto interlocutor direto entre as comunidades e as instituições, estas não têm um foco económico, o que levou a Zatona-ADIL a incentivar a criação de cooperativas focadas no desenvolvimento económico, começando com pequenos negócios, pequenas lojas, centros de transformação de fruta seca, gestão de transportes, criando atividades geradoras de rendimento.
Atualmente, a Zatona-ADIL expandiu o seu espectro de atuação e alargou a sua atividade a áreas como a saúde, nomeadamente no combate ao paludismo através do fornecimento de máquinas de diagnóstico, uma vez que diminuindo as doenças e melhorando as condições de saúde da população melhoram também as condições monetárias da mesma, que pode passar a aplicar o dinheiro e a investir noutras coisas.
O orador mencionou ainda que a Zatona-ADIL foi uma das organizações que motivou a criação da RESCSAN-STP, referindo que esta desenvolve projetos para promover a segurança alimentar de forma a contribuir para que os produtores produzam o suficiente para abastecer o mercado local e assim alcançar a soberania alimentar, evitando a importação de produtos e empoderando os produtores locais para produzirem localmente e abastecerem a população a preços acessíveis.
Para terminar, Adalberto Luís salientou que, hoje, o foco está na produção biológica. A Zatona-ADIL está a trabalhar para que toda a produção do país seja biológica, sendo adotadas técnicas de produção mais sustentáveis, não só na produção de produtos locais, mas também na produção destinada à exportação.
Maria de Fátima | AMAGRU-STP
A oradora começou a sua intervenção neste webinar fazendo referência ao papel da AMAGRU nas comunidades rurais em São Tomé e Príncipe através de exemplos de iniciativas que têm vindo a promover para empoderar as mulheres rurais. Neste sentido, referiu que o primeiro passo da AMAGRU foi estruturar as comunidades rurais e criar associações de mulheres em meio rural, mencionou ainda que realizam intercâmbios de trabalho coletivo, palestras em dias comemorativos, debates na televisão e na rádio onde falam sobre o papel das mulheres rurais e recebem inúmeros convites para falar a favor das mulheres rurais sobre o papel fulcral que estas têm no desenvolvimento do trabalho no terreno e em questões de sensibilização.
Maria de Fátima, na sua experiência de produtora rural, salientou que, com o aparecimento da pandemia de COVID-19, a produção não teve escoamento por constrangimentos nos circuitos comerciais. As mulheres ficaram sensibilizadas para a importância da produção para abastecer os mercados locais, aumentando a sua disponibilidade para trabalhar num contexto coletivo, juntamente com os seus maridos e familiares.
Com foco na produção feita pelas mulheres rurais, a oradora alertou para algumas problemáticas como a falta de condições para conseguir conservar os produtos que não são vendidos no mercado, o que leva ao desperdício alimentar, e de transporte dos produtos para os mercados locais, não permitindo a venda atempada dos produtos e, consequentemente, o desperdício dos mesmos. Terminou, destacando a importância da persistência na procura de apoios para as mulheres rurais, com recurso à mobilização da campanha política e à presença nos debates, nas rádios e nas televisões de forma a assegurar que os direitos das mulheres camponesas estão no centro das discussões.
Terminadas as intervenções dos oradores, assistiu-se, a convite da moderadora Joana Dias, a uma intervenção espontânea do Gil Rangel da Cruz, que participou na criação de um conselho em Timor-Leste com uma estrutura semelhante à da CONSAN-STP em São Tomé e Príncipe, em nome da HASATIL – Rede de ONG de Agricultura Sustentável de Timor-Leste. Nesta intervenção, Gil Rangel da Cruz, relatou o contexto vivido em Timor-Leste, referindo o importante papel deste espaço de articulação na construção de políticas para a soberania alimentar e a intervenção essencial da sociedade civil neste processo.
A sessão terminou com um debate durante o qual os participantes tiveram oportunidade de colocar questões aos oradores, nomeadamente, quais as fileiras de consumo local que integram o cabaz alimentar de São Tomé e Príncipe que deveriam ser reforçadas, que ideias e/ou sugestões de iniciativas concretas pode a RESCSAN-STP fazer para efetivamente promover a segurança alimentar no país, tendo em conta a importância da campanha pública, que ações concretas/campanhas a partir do projeto PAS, por exemplo, se podem promover no país para assegurar uma maior visibilidade para a questão do direito das mulheres rurais, e relativamente ao contexto português como é que a existência de uma lei para o direito humano à alimentação e nutrição adequadas poderá contribuir para a soberania alimentar no país. Questões que podem ver respondidas na gravação do webinar disponível aqui.
A insegurança alimentar e nutricional é simultaneamente uma causa e efeito da pobreza, estando interligada com múltiplas dimensões do desenvolvimento. Numa época de desafios glocais, tornou-se evidente a necessidade de assegurar a resiliência dos sistemas alimentares e uma transformação no sentido de um sistema alimentar justo para todos e todas, que reconheça as necessidades das pessoas, que seja digno e que respeite a natureza. Um dos grandes objetivos do projeto PAS – Políticas Agroalimentares Sustentáveis é contribuir para a segurança alimentar e nutricional e para o desenvolvimento sustentável e inclusivo em São Tomé e Príncipe, contribuindo ainda para a realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (DHANA).
Este webinar foi promovido no âmbito do projeto PAS – Políticas Agroalimentares Sustentáveis e apoiado pela campanha #GoEAThical – Our Food. Our Future. Ambos os projetos são cofinanciados pela União Europeia e pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P.