Relatório da Repórter Brasil revela problemas socioambientais na cadeia da carne e avalia potenciais impactos do acordo de livre comércio com a União Europeia.

A Repórter Brasil lançou o relatório: “Da fazenda brasileira para a mesa europeia – Impactos socioambientais e violações trabalhistas em cadeias agropecuárias Brasil-União Europeia (carne bovina, laranja, café e cacau)”, em conjunto com a rede internacional de organizações ambientalistas Friends of the Earth e no âmbito do projeto #GoEAThical – Our Food. Our Future, sobre os potenciais impactos do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE) na cadeia produtiva do chamado “complexo carnes”.
O relatório mostra que produtores e empresas das cadeias produtivas de carne bovina, laranja, café e cacau estão ligados a graves problemas, como a desflorestação de florestas nativas e a exploração de trabalho escravo.

A publicação analisa como biomas sensíveis, casos da Amazónia e do Pantanal, além de povos tradicionais e trabalhadores dessa indústria podem ser ameaçados pela expansão das atividades ligadas a esse setor do agronegócio brasileiro responsável por US$ 17 mil milhões em exportações ao longo de 2020.
Se aprovado, o acordo EU – Mercosul vai fazer disparar as vendas de quatro grandes companhias brasileiras do setor de proteína animal: BRF, JBS, Marfrig e Minerva. Para entrar em vigor, o tratado ainda precisa ser referendado não só pelo Parlamento Europeu, mas também por todos os 27 Estados-membros da UE.
O relatório compila uma série de investigações publicadas pela Repórter Brasil ao longo dos últimos anos. Estas revelam problemas diversos na rede de fornecedores destas empresas que incluem desflorestação ilegal, exploração de mão de obra escrava, invasão de terras indígenas e “lavagem de gado” – a prática de driblar restrições para dar uma aparência de legalidade aos animais criados em áreas autuadas por infrações ambientais e trabalhistas.
A investigação também mostra como a produção de carne brasileira está ligada às principais redes de supermercados da Europa e a grandes investidores internacionais.
Um estudo da @RepórterBrasil será base para uma campanha internacional por alimentação ética. O relatório “Da fazenda brasileira para a mesa europeia” foi elaborado como insumo para a campanha internacional Our Food, Our Future (Nossa comida, nosso futuro) pic.twitter.com/b2q2N7dbJY
— Repórter Brasil (@reporterb) March 23, 2021
O acordo e a indústria da carne
Para além da cota de 200 mil toneladas de carne bovina em vigência, o tratado prevê a abertura de uma faixa extra de 99 mil toneladas provenientes do Mercosul. O Brasil deve absorver pelo menos 40% desse volume adicional. Também vai assumir a maior parte da nova cota de 180 mil toneladas de carne de frango, totalmente isentas de tarifas.
Entretanto, uma série de manifestações de mandatários europeus nos últimos meses vêm levantando dúvidas sobre a viabilidade da ratificação do acordo. As principais questões levantadas referem-se justamente à capacidade de os países do Mercosul ampliarem as suas produções agrícolas e minerais respeitando o meio ambiente e os direitos humanos.
No caso específico do Brasil, uma das principais preocupações é com o avanço desenfreado da pecuária bovina – reconhecidamente, um dos principais vetores de desflorestação ilegal. Só na Amazónia, no ano passado registou um recorde de devastação com 8 mil quilômetros quadrados de floresta derrubados. O número, o maior da última década, representa um preocupante aumento de 30% em relação a 2019. Os dados foram compilados pelo Sistema de Alerta de Desflorestação do Imazon.
As questões levantadas sobre os potenciais impactos do acordo ganham ainda mais relevância quando, para além das estatísticas preocupantes e do atual contexto político brasileiro, verifica-se que os mecanismos previstos no tratado para mitigação de riscos não parecem dar conta dos principais desafios gerados pela inevitável expansão da indústria da carne.
Pelo menos, essa é a avaliação de diversas organizações da sociedade civil que se têm vindo a debruçar sobre as cláusulas do tratado. Sem ferramentas claras para execução e controlo de políticas públicas socioambientais, e sem instrumentos eficazes de sanção em caso de irregularidades, o tratado pode ficar limitado ao campo das boas intenções.
Artigo adaptado. Fonte: Repórter Brasil
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