Decorreu no dia 30 de março de 2021, das 17h30 às 18h30 (hora de Lisboa), o YouthLab sobre o papel da sociedade civil no combate ao trabalho escravo contemporâneo, organizado em Portugal pelo IMVF, no âmbito da campanha #GoEAThical – Our Food. Our Future. Esta sessão, à semelhança da anterior sobre Alimentação (in)sustentável, realizou-se em formato online, em direto do Facebook do IMVF.

Moderado por Vasco Malta, Chefe da Missão da OIM – Agência da ONU para as Migrações em Portugal, este YouthLab contou com a presença de Marcel Gomes, Secretário Executivo da ONG Repórter Brasil e de Alberto Matos, membro da Direção Nacional da Solim – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes.

Vasco Malta, começou por referir o papel fundamental que a sociedade civil tem no combate ao trabalho escravo, uma vez que a própria sociedade civil alerta sistematicamente para violações dos direitos humanos, inclusivamente no âmbito do trabalho escravo contemporâneo, sendo muitas vezes o interlocutor que alerta o governo, as autoridades e a população em geral para práticas que representam um atentado aos Direitos Humanos. O moderador alertou ainda para o facto de a pandemia COVID-19 não ter contribuído para travar as operações quer de tráfico de seres humanos, quer de trabalho escravo.

Marcel Gomes I Repórter Brasil

Com foco na importância do tema do trabalho escravo para o Brasil, Marcel Gomes começou por fazer um levantamento histórico da evolução desta temática no Brasil, do ponto de vista prático e da legislação, alertando para a importância do combate ao trabalho escravo contemporâneo. Neste sentido, o orador referiu que o Brasil foi o último, dos grandes países do mundo, a abolir a escravatura, em 1988, tendo passado pouco mais de 100 anos desde que uma pessoa não pode comprar outra no país.

O orador salientou a evolução da legislação no Brasil desde o momento em que o Estado brasileiro reconheceu formalmente perante a Organização das Nações Unidas a existência de trabalho escravo, nos anos 90, referindo o processo de criação de leis específicas e da mobilização de uma força pública que investiga e pune empregadores que promovem o trabalho escravo. Destacou ainda que todo este processo tem vindo a ser aperfeiçoado e quase 60 mil pessoas foram libertadas oficialmente da condição de escravo, das mais diversas regiões brasileiras, especialmente os que trabalhavam na indústria da moda, fabrico de roupa.

A legislação brasileira é mais ampla do que a legislação internacional ou a legislação que é tradicionalmente reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O orador salienta que em consequência do histórico de trabalho escravo no Brasil decidiu-se que o conceito de trabalho escravo seria estendido no país, pelo que foi incluído um artigo no código penal brasileiro que dita que o trabalho escravo não é só o caso de um trabalhador que é obrigado mediante violência a trabalhar ou que tem uma dívida e que é obrigado a trabalhar até pagar essa dívida – estes são os tipos de trabalho escravo reconhecidos pela legislação internacional e pela maioria dos países –, mas  também é considerado trabalho escravo dois outros itens no código penal: atentado à dignidade (nos casos em que o trabalhador é submetido a condições indignas); e excesso de carga horária de trabalho (não cumprindo os direitos a folgas e descanso previstos).

Com base no Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, o orador destacou a importância da sociedade civil neste processo e os vários tipos de intervenção que esta pode ter no combate ao trabalho escravo. Neste sentido, salientou que este plano foi criado no âmbito de uma Comissão Nacional que incluiu várias organizações sociais, órgãos do executivo, o Ministério Público e setor empresarial, e que surgiram deste plano 4 eixos principais de atuação que procuram resolver o trabalho escravo no Brasil: ações de confrontação e repressão; reinserção e prevenção; informação e capacitação; e repressão económica.

Marcel Gomes terminou chamando à atenção para o facto destes eixos de atuação da sociedade civil no combate ao trabalho escravo terem vindo a ser enfraquecidos em consequência das constantes crises políticas no Brasil, e alertando que possivelmente, hoje, estamos a enfrentar os maiores desafios no que diz respeito à temática do trabalho escravo no Brasil.

Alberto Matos I Solim – Solidariedade Imigrante

Alberto Matos começou a sua intervenção referindo a história da escravatura colonial portuguesa, e alertando para o facto de apesar de ter sido decretada oficialmente a abolição da escravatura em 1854, tal não ditou o fim da mesma, pois muitas pessoas ficaram em situação de dívida abusiva, ficando obrigadas a trabalhar para saldar dívidas, ficando em situação de escravatura.

O orador reportou o trabalho escravo que acontece na Europa, alertando que a Europa ainda tem as portas fechadas à imigração, o que leva a que os imigrantes ilegais só consigam arranjar trabalho ilegal, o que por sua vez abre a porta à ocorrência de trabalho escravo.

Relatou alguns exemplos de situações de trabalho escravo que acontecem no país, principalmente no setor da agricultura. Neste sentido, explicou que muitas vezes a mão de obra é subcontratada pelos empregadores a empresas de trabalho temporário ou a empresas prestadoras de serviços, empresas estas muitas vezes fictícias, que se constituem na hora e desaparecem num minuto, deixando os trabalhadores em situações muito precárias. Alberto abordou este assunto detalhadamente, destacando o aumento da complexidade destas situações em contexto de pandemia, uma vez que estes trabalhadores ficam expostos a situações de risco de contágio, nomeadamente relacionadas com as habitações em que são colocados com um número de pessoas muito superior àquele para o qual o espaço está preparado e com o transporte.

Tendo em vista a legislação portuguesa, o orador referiu a Lei da Responsabilidade Solidária que dita que se numa propriedade ou obra (no caso do setor da construção) existir alguma empresa que não pague desde a segurança social a impostos, há uma responsabilidade solidária de todas as entidades que ali operam, uma vez que chega a haver 10 entidades a trabalhar no mesmo espaço e todas elas são responsáveis por aplicar esta lei, incluindo o dono da terra. No entanto, esta lei assume que só depois de esgotados todos os recursos é que é possível estender a responsabilidade solidária ao dono da terra. Neste sentido, o orador terminou, salientando que estão a ser feitos esforços, nomeadamente com a Autoridade para as Condições de Trabalho, para reformular esta lei, de forma a haver uma responsabilização direta e não meramente solidária.

A sessão terminou com um debate durante o qual os participantes tiveram oportunidade de colocar várias questões aos oradores, nomeadamente, como podemos “obrigar” as empresas europeias a seguirem os mesmos princípios relativamente a direitos dos trabalhadores seja qual for o país onde atuam, principalmente em países onde a proteção dos trabalhadores é mais frágil, existe algum quadro legal que possibilite a responsabilização/julgamento das empresas de trabalho temporário, se a pandemia veio acentuar estas questões e aumentar as situações de trabalho escravo, o porquê da União Europeia estar de “pé atrás” relativamente à questão do acolhimento de migrantes, e ainda o que podemos fazer em caso de suspeita de trabalho escravo, particularmente associado às plantações agrícolas na zona Oeste de Portugal, como podemos acabar com a contratação junto das tais empresas fictícias, com mais incidência no Alentejo, e como podemos mobilizar os cidadãos para terem uma ação mais concertada na luta contra o trabalho escravo. Questões que podem ver respondidas na gravação do YouthLab disponível aqui.


O nosso sistema de produção alimentar tem uma enorme influência e impacto nas alterações climáticas e nas causas de migração (pobreza, fome, etc.), e representa um enorme risco para os direitos humanos, nomeadamente o risco de trabalho forçado e infantil. Um dos grandes objetivos da campanha #GoEAThical – Our food. Our Future é sensibilizar e mobilizar os jovens europeus para a adoção de padrões de consumo sustentáveis e, assim, contribuir para a promoção do desenvolvimento mais justo, digno e sustentável.

Este YouthLab foi promovido no âmbito da campanha #GoEAThical – Our Food. Our Future e apoiado pelo projeto #CoerênciaNaPresidência, implementado em Portugal pela FEC – Fundação Fé e Cooperação e pelo IMVF e financiado pelo Camões, I.P..

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